domingo, 28 de fevereiro de 2010

Colher


Colhi teus lábios sem pintura
Colhi teu rosto ensolarado
Que, como se trouxesse o dia,
Destoou da noite e de qualquer outra figura

Colhi tua atenção dançante
Colhi o pouco de teus olhos e teu olhar
Que, como um severo amante,
Se escondiam por trás de lençóis negros

Colhi as manchas da tua pele fria
Colhi tua voz, tua bebida
Que foram pecado da vida que eu queria
Antes de morrer, de preparar malas e partida

Colhi o zelo com que guardavas o sol
Colhi a luz desapercebida

Colhi dos teus aromas
E jeitos...

Colhi e guardei as sementes em palavras arquejadas
Imaginando o que poderia ser colhido das nossas bocas caladas...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Amaciante


Eu me lembro que no final,
Acho que sempre é mais ou menos assim,
Ao menos quando tudo acaba tão mal,
Que tudo desmoronou ao redor.
A locadora da esquina virou
Um triste e pobre brechó
Antes de anunciar que lavaria roupas a preços baixos,
Mas as peças que ficaram foram tão poucas
Que fiquei com medo de trocar
O cheiro do teu desodorante
Por aquele neutro amaciante...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Meu Copo d'água

Nunca me admirou minha falta de jeito para quase tudo.

Os sapatos de dança se aleijaram de mim logo cedo, por um infortúnio de lábios infantis que beijaram o espaço entre minhas mãos vazias, desde então, passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser.

Nunca me admirou meu desacerto de cúpula rachada.

O corpo é meu desafino. Ressoado, cada gesto é uma nota mal colocada, totalmente fora de dissonância sem ressonância com nenhum outro gene. Minha leve respiração, por muitas vezes tossida, quase nunca se deixa ser ouvida, a não ser nas noites que passei sem o corpo doido.

Nunca me admirou meu atraso.

Minha lentidão, meu atraso e meus passos atrasados não foram resolvidos com o simples adiantar de um relógio, com o simples toque do despertador, com a simplicidade do teu toque em meu ombro caído, o atraso está em mim, assim como teu silêncio, porque o meu ficou em ti.

Mas meu copo d’água continua na estante ao dormir.

Não tenho sede a noite, não acordo na madrugada, minha insônia é quando ela ainda brilha tranqüila, mas ainda deixo o copo d’água para, errado, ser apenas exagerado e, certo, te entregar a meus cuidados.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Antes que seja tarde...

Quando eu mandar meus sinais, ligar luzes, acender fogueiras, indicar minhas ausências casuais, acredite, estou perdido porque não pertenço às baixas ruas escuras, não reconheço mais esses sujos paralelepípedos que são as células de meu corpo as celas da minha alma. Porque tanta festa ao ser preso?

Não fui preso, não há correntes marítimas que me façam seguir esses cursos pelos oceanos se sei que não me foi intimada nenhuma condenação, sou livre para dar as mãos e permanecer na viajem para casa que é a imensidão do mundo sem escalas.

Sem paradas aleatórias minhas únicas estradas são eventuais brisas.

O ar, ou o seu cheiro, não me parecerá familiar durante a jornada porque nunca fico o suficiente para minha doce e suave memória guardá-los, ensimesmá-los, ser esse ar, deixá-los em minhas celas.

E nem tente me seguir, não deixo passos quando piso o ar, não tente achar o norte em pontos cardeais, você só vai achá-lo em palavras, só algumas pessoas pobres indicando o caminho a seguir.

Vou, então, descobrir o que me aguarda atrás das portas de vidro fechadas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Na noite te procuro em minhas lentes
Oh, minha astronauta,
Estarão os astros dementes?
E te soltaram, para não mais nos orbitar?

Em estrelas não mais te vejo
Constelações somem em lampejos
Só resta uma desordenada visita
Daquela nobre solidão que ainda grita

Oh, astronauta, bela astronauta
Que sonhos são os teus?
Se meus assobiados suspiros te perderam
Vá, na falta de gravidade, me esquecer...

Com zelo guardarei tua surrada roupa espacial
Para você não esquecer teu planeta natal...