Nunca me admirou minha falta de jeito para quase tudo.
Os sapatos de dança se aleijaram de mim logo cedo, por um infortúnio de lábios infantis que beijaram o espaço entre minhas mãos vazias, desde então, passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser.
Nunca me admirou meu desacerto de cúpula rachada.
O corpo é meu desafino. Ressoado, cada gesto é uma nota mal colocada, totalmente fora de dissonância sem ressonância com nenhum outro gene. Minha leve respiração, por muitas vezes tossida, quase nunca se deixa ser ouvida, a não ser nas noites que passei sem o corpo doido.
Nunca me admirou meu atraso.
Minha lentidão, meu atraso e meus passos atrasados não foram resolvidos com o simples adiantar de um relógio, com o simples toque do despertador, com a simplicidade do teu toque em meu ombro caído, o atraso está em mim, assim como teu silêncio, porque o meu ficou em ti.
Mas meu copo d’água continua na estante ao dormir.
Não tenho sede a noite, não acordo na madrugada, minha insônia é quando ela ainda brilha tranqüila, mas ainda deixo o copo d’água para, errado, ser apenas exagerado e, certo, te entregar a meus cuidados.