Nunca me admirou minha falta de jeito para quase tudo.
Os sapatos de dança se aleijaram de mim logo cedo, por um infortúnio de lábios infantis que beijaram o espaço entre minhas mãos vazias, desde então, passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser.
Nunca me admirou meu desacerto de cúpula rachada.
O corpo é meu desafino. Ressoado, cada gesto é uma nota mal colocada, totalmente fora de dissonância sem ressonância com nenhum outro gene. Minha leve respiração, por muitas vezes tossida, quase nunca se deixa ser ouvida, a não ser nas noites que passei sem o corpo doido.
Nunca me admirou meu atraso.
Minha lentidão, meu atraso e meus passos atrasados não foram resolvidos com o simples adiantar de um relógio, com o simples toque do despertador, com a simplicidade do teu toque em meu ombro caído, o atraso está em mim, assim como teu silêncio, porque o meu ficou em ti.
Mas meu copo d’água continua na estante ao dormir.
Não tenho sede a noite, não acordo na madrugada, minha insônia é quando ela ainda brilha tranqüila, mas ainda deixo o copo d’água para, errado, ser apenas exagerado e, certo, te entregar a meus cuidados.
Sobre a Páscoa
Há 12 horas
4 comentários:
O tempo parece não querer correr, espera sentado ao lado da cabeceira o movimento daquele que deixa o copo d'água.
Bom texto doutor, até mais.
Certa vez me perguntaram se um copo estava meio cheio ou meio vazio. Respondi que o copo estava lá, já era o bastante.
"...passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser..."
muuuito bommmm :)
vc... invadiu minhas sensações!
como pode dar música ao corpo!?
um desatino...
("o corpo é meu desafino")
quanto a negação de tudo que seria chaga (a sede, a insônia) é simplesmente fantástica porque é consciência da ausência de um mal externo - é interno todo o sentimento.
e igualmente fantástico é o retrato do exagero e do cuidado como coisa una,pertencente a um só gesto(o copo d'água na estante ao dormir).
"mas ainda deixo o copo d'água para,err ado, ser apenas exagerado e,certo, te entregar a meus cuidados".
eu poderia falar também da troca do silêncio...!
mas acho que já basta; eu me calo
parabéns mais uma vez, igor!
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