domingo, 21 de fevereiro de 2010

Meu Copo d'água

Nunca me admirou minha falta de jeito para quase tudo.

Os sapatos de dança se aleijaram de mim logo cedo, por um infortúnio de lábios infantis que beijaram o espaço entre minhas mãos vazias, desde então, passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser.

Nunca me admirou meu desacerto de cúpula rachada.

O corpo é meu desafino. Ressoado, cada gesto é uma nota mal colocada, totalmente fora de dissonância sem ressonância com nenhum outro gene. Minha leve respiração, por muitas vezes tossida, quase nunca se deixa ser ouvida, a não ser nas noites que passei sem o corpo doido.

Nunca me admirou meu atraso.

Minha lentidão, meu atraso e meus passos atrasados não foram resolvidos com o simples adiantar de um relógio, com o simples toque do despertador, com a simplicidade do teu toque em meu ombro caído, o atraso está em mim, assim como teu silêncio, porque o meu ficou em ti.

Mas meu copo d’água continua na estante ao dormir.

Não tenho sede a noite, não acordo na madrugada, minha insônia é quando ela ainda brilha tranqüila, mas ainda deixo o copo d’água para, errado, ser apenas exagerado e, certo, te entregar a meus cuidados.

4 comentários:

João Gilberto Saraiva disse...

O tempo parece não querer correr, espera sentado ao lado da cabeceira o movimento daquele que deixa o copo d'água.

Bom texto doutor, até mais.

Unknown disse...

Certa vez me perguntaram se um copo estava meio cheio ou meio vazio. Respondi que o copo estava lá, já era o bastante.

J. C disse...

"...passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser..."


muuuito bommmm :)

Unknown disse...

vc... invadiu minhas sensações!
como pode dar música ao corpo!?
um desatino...

("o corpo é meu desafino")


quanto a negação de tudo que seria chaga (a sede, a insônia) é simplesmente fantástica porque é consciência da ausência de um mal externo - é interno todo o sentimento.
e igualmente fantástico é o retrato do exagero e do cuidado como coisa una,pertencente a um só gesto(o copo d'água na estante ao dormir).

"mas ainda deixo o copo d'água para,err ado, ser apenas exagerado e,certo, te entregar a meus cuidados".

eu poderia falar também da troca do silêncio...!
mas acho que já basta; eu me calo

parabéns mais uma vez, igor!