sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sobre Meninos e Reis

Quando criança, ele nunca matou formigas usando lupas. Nunca chamuscou o rabo dos cachorros para vê-los correr, doloridos, pela praça. Nunca jogou sal em cima de sapos para matá-los, nem colocou brasas incandescentes perto deles para que as engolissem, para que fossem queimados vivos por dentro.

Quando criança, ele sempre foi uma boa criança. Era o primogênito, o preferido, o queridinho, o pobrezinho (quando se machucava, mesmo que por sua própria desatenção), o que ganhava melhores presentes (ah, aquele trenzinho com uma ferrovia completa!), o que tirava boas notas, o primeiro a ser escolhido, o último a perder...

Quando criança, apenas foi reprovado uma única vez. Não foi na escola, tinha as melhores notas (sempre). Em que então? O leitor desavisado pergunta. Foi reprovado a mesa de jantar.

Tinha por volta dos 6 anos e já era-lhe atribuída a honra de sentar ao lado do pai, o rei, na mesa de jantar, mas foi por essa honra que acabou por se descuidar e cometer seu primeiro e mais fatal erro na vida. Ao terminar de comer, ele se esqueceu de usar o guardanapo e limpou-se com a blusa de algodão azul marinho.

O menino que seria rei esqueceu-se de usar o guardanapo.

Logicamente, o leitor argumentaria, esse não é um erro tão capital. Talvez, eu diria, para um menino, mas não para um menino que seria rei.

Assim como as pessoas amorosamente importantes dentro de nossos corações, os reis são invisivelmente gigantes. Tão grandes que podem matar pessoas ao se sentar, ou ao caminhar, do mesmo modo que, quando há uma pessoa assim dentro de nós, ela pode quebrar-nos com um mero espirro.

Não que o reino seja pequeno para que o rei tenha tanto poder. Não que nossos corações sejam apertados para serem despedaçados por dentro por um espirro. Mas os dois têm a força e a delicadeza do vento. Ilógico, caro leitor, ilógico.