segunda-feira, 31 de maio de 2010

Noite


Ontem, o céu da noite
Estava tão belamente despreocupado
Com suas nuvens distraídas
E a lua com seu reflexo alado
Com seus olhos caídos
Viajava como se de férias
Levava na mala apenas estrelas
Seus distantes acessórios

Era óbvio que se necessário fosse
Voltaria antes dos uivos de seus amores
Como faz, sem descanso, todas as noites

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Arte: Noite Estrelada, 1889; Vincent Van Gogh (1853-1890)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Canto

Não perdeu o encanto
O meu sonho
Não perdeu o encanto
O vento que faz voar teu cabelo
Nem o gelo
O teu frívolo olhar que deixou de ser sério
Na manhã de seu mistério

Não perdeu o encanto
As vozes desafinadamente lentas
Enquanto os olhos velozes
Em cores quentes
Grandes, luminescentes
Espalham encanto
E canto

E vozes
Velozes

terça-feira, 18 de maio de 2010

Desespero Anêmico

Quando ela diz que vai voltar, eu não acredito, eu sei que ela jamais retornará ao quarto depois de se entregar a rua, de ser tragada pelo cheiro do asfalto molhado, sei que sua roupa deixará de ser lustrosa e bonita, prevejo seus passos para fora do mundo, sua queda nos abismos mais absurdos e nada posso fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que vai embora, eu sei que é para sempre, não há uma segunda chance, não há paredes que se fechem depois de demolidas, não há segurança que fique depois que a porta for destrancada, aquela porta que deixamos fechada para forjar segredos e passá-los pelo buraco da fechadura. E lá dentro, nada posso fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que só vai pegar as chaves do carro, que só vai colocá-las no armador de rede da parede da sala, para não esquecer onde as colocou na manhã seguinte, eu sei que o motor logo vai roncar, sei que nunca a alcançaria, ela voa alto de mais e eu apenas a observo como observaria fotos de planetas extra-solares. E dentro de mim, não há nada a fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que fará as malas, sei que não é só mais um fim de semana na praia, sei que não me irritarei com a areia grudando na pele quando o guarda-roupa inteiro some e só ficam as traças. Fico na espera das traças. Espero. E por fim, desespero.

O desespero não é uma negação da espera, mas uma espera que se cansou de si mesma, que, fechada dentro de si mesma, ensimesmada, enlouqueceu de segurança, mas ainda paira sobre sua própria lembrança de quem era, é um que não consegue mais fiar seu próprio desespero, não se cria. O desespero é um desespero anêmico.

E é nesse desespero anêmico que sempre vejo partir, fechado dentro de mim, ensimesmado, em mim aprendo a ser desamado.