quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Compararia esses momentos a espelhos
Porque eles são tão quebráveis, esses momentos distintos
O faria se eles me refletissem sempre, mas
Eles sempre me mostram tão distantes
Contemplando seu olhar calmante
Nunca presente vertido para o meu que sente
Um despreocupado sorriso

Poesia do louco jovem de mais

Eu acabei perdendo a hora
Perdi-me em meus pensamentos
No meu sonho triste
E derramar de lágrimas sobre o sono
Pesado sono das minhas escuras veias
Escuras veias de palavras
Eu ando para continuar a correr nelas
E corro nelas para continuar lúcido
Para daí então enlouquecer
Por amor a ti

Perdoe minha loucura amorosa
Máquina, desconheço meu escape

sábado, 6 de novembro de 2010

Telepático Amar




Depois de cinquenta anos juntos eles perceberam que não se apaixonaram quando se conheceram, como suspeitavam desde o início, muito menos que eram feitos um para o outro desde que nasceram. Foram necessários cinquenta anos para perceberem que nasceram a imperfeição da compatibilidade.

Ele era a peça errada no quebra-cabeça dela. Ela era a luva direita na mão esquerda dele. Ela era a xicara para canhoto da mão destra dele. Ele era a fita k7 de música brega em meio a coleção bem arrumada de hinos dela. Ele era, e sempre fora, o silêncio que quebrava as músicas dela. Ela era, e sempre fora, a música que arranhava o silêncio dele. Ela era mãos infantis. Ele era infantil como um todo.

Nasceram, enfim, em uma total não sintonia.

Foi necessário que chegassem as bodas de ouro para que eles se dessem conta, também, que o amor dos velhos é o amor telepático. Aquele que não precisa mais ser dito, mas que está em cada ato memorial, mas que mesmo assim, mesmo sem necessidade de virar tato, ele toca os ouvidos.
O amor dos velhos é quando ele aponta, com a cabeça inclinada, a peça que falta para o esboço se tornar jardim. É quando ela, ao acordar, troca as luvas de lavar a pia por novas, uma para cada mão. É quando ela o ensina a ser ambidestro. É quando um dos dois dá o tom para o outro preencher com letra. O amor dos velhos, o amor telepático, é quando os silêncios são só para quem vê, pois neles, tudo o que foi dito, está sendo redito, em cada olhar, em cada suspiro, é quando a música é cantada pelos dois, mesmo calados.

O amor dos jovens morre e em seu testamento ele escolheu ser cremado, para não sobrar nada e mesmo as cinzas serem jogadas no espaço.

O amor dos velhos sabe dos fatos passados, sabe dos nascimentos prematuros, das complicações de parto e sabe que havia de ter sido assim, para que jamais fosse cremado, mas sim, sempre, fogo.

O amor telepático é quando faltam palavras tais como “início” (mesmo que por Alzheimer perguntar: “desde quando te amo?”).

(mesmo que sob o efeito do amor crer-se em sintonia sã)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Meus loucos e inocentes modos de te assassinar

Eu odeio essas minhas fases de te amar, quando quero pular em teus braços frios que são rios, quentes apenas quando expostos ao sol por curtos períodos de tempo ao ano, odeio querer ver teu sorriso torto, os dentes levemente tortos, esse teu sorriso meio bobo e maio arrogante e esse teu rosto de sal, esse rosto já tão em mim, polidamente marcado em brasa em giz tatuado em mim, jamais levado.
Eu odeio essas minhas fases de te amar, quando quero ver teus olhos escuros olhando o mar, quando quero ver o infinito negro da tua íris afogar minha respiração. Odeio essas minhas fases meio lua, odeio quando, sob ela, tenho maravilhosos pesadelos contigo. Porém, mais que tudo, eu odeio essas frases que escrevo ao te amar...

domingo, 26 de setembro de 2010


Todas as flores que eu não dei
Descansam sob o sol que tortura os fundos da casa
Se entortam, no seu não desabrochar
No não amanhecer, eternamente sob a lua

Todas as flores que eu não dei
Escondem-se nos quintais que você nunca verá
A maior parte delas, de papel,
Se desmanchará na próxima chuva

Todas as flores que eu não dei
Entristeceram e amassaram de estáticas
Essas flores que não dormiram sob teus olhos

domingo, 12 de setembro de 2010

Lábio que não esconde boca
Boca que descobre dente
Dente que se morde fere
Ferida que me marca vida
Vida que te quero toda
Toda vida que se escreve torta
Torta escrita em minha pele morna
Morna de morta por aberto olho
Olho que te escorre lágrima
Lágrima negra que te mancha o rosto
Rosto que esconde gosto
Gosto de rosa aberta

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Entrada

Quando você entrou atrasada na minha vida e começou a gritar sem razão foi o momento exato em que eu comecei a fingir que não era comigo, quando você entrou na minha vida foi o momento exato do desapego moral, o momento no qual me dediquei a não aceitar troca ou devolução, era pra já, um amor fulminante, fulminante como um ataque cardíaco que nos leva escada a baixo, um amor fulminante como o amor e eu fingia que ninguém havia entrado, achava que a chave da porta seria um secreto achado, acreditava fielmente que todas as janelas estavam fechadas e que aquela leve brisa de primavera era a calefação que saia pelos poros da casa. Quando você chegou atrasada na minha vida e roubou a minha vida de mim foi o momento exato que eu comecei a acreditar, foi o momento da perfeição, o momento de limpar as calhas sujas de folhas secas e as espalhadas pelo jardim de tantos outonos, de juntar as folhas, de jogá-las fora, de não mais precisar me vestir com elas. Enquanto você entrava, eu a recebia na varanda, na cadeira de balanço que era onde eu me recolhia para amar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Poesia Andarilha

Caí do mundo contemplando
O céu que havia lá no fundo dos teus olhos
E aqui na casa desarrumada
Das janelas lanço luz pelos jardins do mundo

Desejo plenamente simples
Um final que eu não precise sonhar contando
Que eu possa me encontrar
Nos varais do seu quintal que sou eu

Anseio desesperadamente calmo
Tua presença todos os dias e a cada palmo
De chão esquentado andado
Dos bilhões e bilhões de passos passados

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Deixe passar as nuvens,
pois elas são
invariavelmente
minhas melhores amigas
ou simplesmente
as únicas que, sem um pio,
continuaram comigo
ao longo do caminho

deixa passar o vento
porque ele é andarilho
e toca os olhos
assim como eu
tentei tocar o coração
impossivelmente guardada
na ultima janela do seu lado

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Primeiro Poema de Agosto




Podem essas rosas ser lírios
Poderiam todas essas cores
Serem apenas meus insistentes delírios
E morrer como palavras
Engasgadas
Apagadas nos olhos

E poderiam esses lírios ser regados
Seriam eles achados?
E, se assim fosse, se deixariam
Por aqueles olhos apagados
Serem molhados?

Esses lírios do campo
Por olhos insistentes
Sempre observados

sábado, 31 de julho de 2010

O passado pede socorro...
O guardo em uma caixa vermelha com uma cruz
Daquelas de primeiros socorros
E deixo-a cair e se esvaziar de mim
Essas coisas passadas
Essas estradas inteiras
Vão se esvaziando do que eu fui
Vão se enchendo do que há ao redor
Só água, só correnteza, só rio
Essas passadas cartas, esses envelopes velhos
Ainda trazem daquele velho eu
O toque árido, o visível cálido
E constato o quanto ainda há ali
E maltrato o que, dali, ainda persiste aqui
E vou empurrando cada vez mais para o fundo
Daqui para o fundo do meu esquecido mundo
As coisas que ainda estão para se tornar findas

Tão lindas aquelas flores brancas que se sobressaltam
Deveriam saber que, de vez em quando, o ar, me assaltam

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Triste canção da mulher em um refrão

eu tenho uma hora marcada com seu coração
cansei de esperar na sacada
não quero mais morrer

desisti de tentar entender o que diz sua canção
calada vou tentar compreender
essa situação

vou tentar não me envolver
não me preocupar
não temer

e digo que até hoje não encontrei mais ninguém
que me amasse tantas noites
e mais além

eu tento dizer a mim mesma que o toque da minha mão
é você que chega na noite
imenso clarão

sei que seus olhos a ferro e fogo iluminarão
essas voltas e voltas e voltas
do meu triste refrão

eu sei que esses olhos de quem não tem mais amor
me farão estremecer seja inverno ou verão
e solitária
só restarei nesse refrão:

vou tentar não me envolver
não me preocupar
não temer

e digo que até hoje não encontrei mais ninguém
que me amasse tantas noites
e mais além

domingo, 4 de julho de 2010

Ela olha as estradas como se fossem casas


Das ruas escuras que se formaram da noite
Só sobraram as faixas que sozinhas se iluminam
E brilham, e brilham, e brilham
Esses seus olhos de estrada jamais desbravada

Nas ciladas que preparei com cuidado para esquecê-las
E eu mesmo cair no desgaste das engrenagens que rangem
E escondem, escondem, escondem
A minha velhice de sempre saber que tempo fará na próxima jornada

Seus olhos são uma estrada de milhares de milhas por onde viajo
Em curvas, escuras, derrapo, de minha sanidade escapo...

domingo, 27 de junho de 2010

Esse mundo cessar

Eu vou passando por esse caminho e eu sei que nem ao menos há com quem eu passar o tempo de caminhada cumprimentando, achando não estar sozinho, achando que as pessoas realmente sentem o que eu sinto, achando que é tudo tão morbidamente parado como eu imagino, eu sei que essa vida não é só de ida, sei que ainda vou voltar como novo, tenho minhas queixas, tenho minhas histórias, mas não tenho nossas rasgadas roupas coloridas para levar para a lavanderia da esquina de sua antiga casa.

O meu único intuito era te fazer pensar em um companheiro para viajar que ainda não estivesse lá aonde você quer chegar, fazer você pensar em mim como quem senta ao lado e dá as mãos na subida, fazer você pensar em mim como alguém para dividir o chocolate mesmo que depois você se lembre que eu não poderia, mas apenas porque eu sou alérgico ao doce. Ah, se eu pudesse não me juntar a você por pura alergia, seria então alegre...

Eu tenho meus pensamentos vidrados na página em que escrevo, na tela de vidro do computador e tenho meus pensamentos vidrados nessa intensa sensação de pensar em você, e imaginar se você... E imaginar se você também vê a lua, mas penso no fuso horário, você deve estar pensando na hora do almoço.

Das coisas que me são tão caras na vida, como sentir que caí, sem me mover, só deixando o peito que nunca mais foi vago se contaminar com o que eu mesmo forjo quando olho o sol cair e meus pensamentos são tão insistentes, meus sentimentos são tão, para mim, envolventes, que me pego a escrever histórias inteiras sobre lugares distantes sobre meu colchão.

Eu migro constantemente minhas quedas, eu sei, mudo como se eu escolhesse entre um e outro lugar para passar a noite na estrada enquanto sigo em frente, assim como o mundo onde vejo tanta dor sair, tanta dor secar, tanta dor cessar, seguir suas próprias vias de alta velocidade, mas não posso evitar não sofrer, não deixar nascer, já envolto em cinzas sem brasas, esses amores.

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Ao som de Lovers in Japan - Coldplay

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Palavras deitadas

As palavras deitadas no rio raso desse tempo
Deixam a água escorrer por sua caligrafia
Descansam de olhos fechados esperando cheia
Porque o rio já era quase, minha, uma veia

São belas as palavras deitadas no rio desse tempo
Elas pulsam junto com as águas
E quando elas estiverem fortes
Vão ser lavadas, levadas

Dormem nesse rio de minhas veias, essas palavras
Enquanto trespasso em suas formas
As desfilo por meu sangue

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Verdadeiro Despertador

As notícias no jornal são distantes lágrimas pela manhã
Acordo ainda procurando o dia em que dormi
Amarrei em mim as noites que passei sem sono
Acariciando o travesseiro e ouvindo aquela minha voz sem dono
Ao acordar ainda me perguntava se era mesmo eu
Que havia deixado músicas no despertador, não fui quem escolheu
Deixar a luz acesa e continuar acordado dentro de mim

Dos lençóis faço cordas para me tornar fugitivo dessa dor
As lembranças me acordam mais que o despertador

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Vento

Parei lá de cima
Para ver o vento passar
Ele me levou e me deixou rodopiar
Em seus braços sem pecados
Em seus uivos nunca calados

Parei e senti seus dedos em meu rosto
Suas labaredas que me provavam
Queriam saber meu gosto
O vento dos muitos que andavam
Antes de mim que estiveram aqui
Sentindo-o passar

Por fim, corri com o vento
Deixei que suas rédeas me agarrassem
Guiassem minha marcha
E de vendaval em borracha
Do passado em nada

Corri com o vento furioso
Logo eu que era manso, idoso

Corri como o vento ligeiro
Ao vento me entregando por inteiro

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Noite


Ontem, o céu da noite
Estava tão belamente despreocupado
Com suas nuvens distraídas
E a lua com seu reflexo alado
Com seus olhos caídos
Viajava como se de férias
Levava na mala apenas estrelas
Seus distantes acessórios

Era óbvio que se necessário fosse
Voltaria antes dos uivos de seus amores
Como faz, sem descanso, todas as noites

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Arte: Noite Estrelada, 1889; Vincent Van Gogh (1853-1890)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Canto

Não perdeu o encanto
O meu sonho
Não perdeu o encanto
O vento que faz voar teu cabelo
Nem o gelo
O teu frívolo olhar que deixou de ser sério
Na manhã de seu mistério

Não perdeu o encanto
As vozes desafinadamente lentas
Enquanto os olhos velozes
Em cores quentes
Grandes, luminescentes
Espalham encanto
E canto

E vozes
Velozes

terça-feira, 18 de maio de 2010

Desespero Anêmico

Quando ela diz que vai voltar, eu não acredito, eu sei que ela jamais retornará ao quarto depois de se entregar a rua, de ser tragada pelo cheiro do asfalto molhado, sei que sua roupa deixará de ser lustrosa e bonita, prevejo seus passos para fora do mundo, sua queda nos abismos mais absurdos e nada posso fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que vai embora, eu sei que é para sempre, não há uma segunda chance, não há paredes que se fechem depois de demolidas, não há segurança que fique depois que a porta for destrancada, aquela porta que deixamos fechada para forjar segredos e passá-los pelo buraco da fechadura. E lá dentro, nada posso fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que só vai pegar as chaves do carro, que só vai colocá-las no armador de rede da parede da sala, para não esquecer onde as colocou na manhã seguinte, eu sei que o motor logo vai roncar, sei que nunca a alcançaria, ela voa alto de mais e eu apenas a observo como observaria fotos de planetas extra-solares. E dentro de mim, não há nada a fazer, a não ser sentir.

Quando ela diz que fará as malas, sei que não é só mais um fim de semana na praia, sei que não me irritarei com a areia grudando na pele quando o guarda-roupa inteiro some e só ficam as traças. Fico na espera das traças. Espero. E por fim, desespero.

O desespero não é uma negação da espera, mas uma espera que se cansou de si mesma, que, fechada dentro de si mesma, ensimesmada, enlouqueceu de segurança, mas ainda paira sobre sua própria lembrança de quem era, é um que não consegue mais fiar seu próprio desespero, não se cria. O desespero é um desespero anêmico.

E é nesse desespero anêmico que sempre vejo partir, fechado dentro de mim, ensimesmado, em mim aprendo a ser desamado.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Poesia Espacial Sem número

Conquistadora das estralas distantes
Desbravadora de meu peito em vácuo
Na orbita desse sol éramos amantes
Nossa casa de casados era a nossa estação
Ao pôr-do-sol de um planeta sem numero casamos
E mesmo com tuas idas e vindas ainda nos amamos
E pelas escotilhas eu esperava nas estrelas tua volta
Só a gravidade zero me fazia companhia
Nela brincava e apenas no relógio havia dias
Lá fora e aqui dentro o frio galáctico
E o brilho estelar estático

quarta-feira, 21 de abril de 2010

4 Haikais em Série

como o humor
desses dias calorentos
é mal-humorado

...

As árvores são
umas chuvas atrasadas
assim como luz

...

Teus olhos são céu
não é o dia tão quente
é mais a noite

...

As belezas são
essas árvores olhando
o fundo dos olhos

terça-feira, 13 de abril de 2010

Se teus olhos me esconderem o céu

Me falta ar
Me falta arco de sol
Me faltam teus cabelos enrolados
Me faltam teus cachos em caracol

Abundam suspiros
E então o canto desce a rua
E meus versos encontram capa
A minha paz encontra a tua

Enchem meus castelos verdes
Com teus cheiros, cores e redes
As torres tocam teus olhos
As fogueiras, à noite, escovam teus cabelos

Se teus olhos me esconderem o céu
A diferença será como se o cobrissem com um véu

E teu rosto iluminado
Um eterno aroma de mel...

sábado, 3 de abril de 2010

Oh dia singelo
Sereno e quieto
Sozinho e morno
És dia, és morto
Por que insiste em
Me dizer o quão sou torto?
Oh dia sem dia
Sem sol, sem seu sabor
Oh dia noturno
Que só me resta
Brincar com o cachorro
Oh dia assassino
Em que quase morro
Oh dia óbvio
Sozinho, esqueço
Que sou menos que um terço
Quando teço meus dias
Sem sua intensa e leve
Voz...

domingo, 21 de março de 2010

Besouros

besouros aqui
na janela azul se vê
tão esvoaçantes...

(Haikai pra seguir a moda do casal Deyse e Rodrigo)

Vultos

As ruas do teu lado do mundo estão cheias de vultos vazios, apenas lembranças que não passaram aquele gosto dos finais belamente alocados em nossos corações inquietos cheios de nostálgicas e dopaminérgicas pulsações. Teu rosto é um vulto do céu.

Minhas musicas estão lotadas de vultos que não são meus, que chegam aos ouvidos, turvos, ambos, zumbem e, dessa forma, continuam morando dentro de mim mesmo sendo estrangeiros, vultos visitantes vindos de longe. Meus ouvidos são vultos calados.

O meu próprio lugar em teu mundo é um vulto, quase como se só eu pudesse vê-lo, como um fantasma. Já ouvi histórias desses lugares assombrados, vazios, como peitos vagos, vagos contos que nos levam antes de nossa vontade a desaparecer no ar. Meu lugar é um vulto.

Te enxergo como se não existisse porque minha visão se mancha, se embaça, se mistura como folhas soltas ao vento, porque assim é mais fácil o vento levar-te. Como nuvem que és. Meus olhos são vultos de árvores ao vento.

E todas essas palavras? São só vultos, vou deixá-las passar, assim temerei menos seus gritos abarrotados e meus sussurros impacientemente tristes, deixados mortos, tapados.

Teu vulto é um só, não há como imprimir qual seria o melhor dos tons para tua voz, ela me some, me desaparece em meio a multidão sólida. Somes como bobagens, como aquelas antigas canções findadas.

Vultos de tua voz. Vultos de teu sol eclipsado. Vultos do céu em teus olhos. Vultos das nuvens em tua pele. Vultos perdidos em teu caminhar. Vultos em borboletas espalhafatosas. Vultos em abraços despertos. Vultos em LPs cansados. Vultos em meio à solidez da hora do almoço. Vultos engraçados. Vultos nos dedos estalados. Vultos perdidos, ralhados.

Aonde foram todos esses vultos? Como desaparecem assim? Na chuva? Nas lágrimas? No descontrole?

Ficarei insistente no alto volume dos vultos vazios do outro lado do mundo.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ressaca pós dia da poesia

Ah! Tuas covinhas que eu queria morrer!
Para sempre eu seria entre
O teu eterno não ser e teu constante viver...

domingo, 14 de março de 2010

Feliz dia da poesia!

O sopro de teus lábios rachados
em meus ouvidos caídos
são o brilho em meus olhos calados

a loucura na ponta do meu nariz
centro de minha atenção flutuante
e teus dedos curtos riscados a giz.

Ah! Tuas covinhas que eu queria dormir
para sempre eu seria entre
o teu beijo e o teu rir

os meus óculos de aros leves marcados
te espreitam,
secretamente, em mim, te desejam...

sábado, 6 de março de 2010

Alzheimer


Esqueci teu nome, esqueci teu rosto
Esqueci um pouco dos teus devaneios loucos
Esqueci teus olhos, esqueci teu paladar
Esqueci os risos ao meu lado ao caminhar
Esqueci teus silêncios, esqueci tuas cores
Esqueci as noites dos teus lares meus amores
Esqueci teus detalhes, esqueci teus calcanhares
Esqueci teus beijos que sempre vinham aos milhares
Esqueci suas rugas, esqueci os passos nas ruas
Esqueci quando mostravas as tuas ânsias nuas

Esqueci, mas quando meus olhos vidravam a janela
Tua voz era ela que, carinhosa e insistente, ainda cantava e me lembrava
A cada dia, quando o dia se acabava...

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Agradecimentos a Deyse "Margarida" Nara (do Last Flower) pela imagem.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Colher


Colhi teus lábios sem pintura
Colhi teu rosto ensolarado
Que, como se trouxesse o dia,
Destoou da noite e de qualquer outra figura

Colhi tua atenção dançante
Colhi o pouco de teus olhos e teu olhar
Que, como um severo amante,
Se escondiam por trás de lençóis negros

Colhi as manchas da tua pele fria
Colhi tua voz, tua bebida
Que foram pecado da vida que eu queria
Antes de morrer, de preparar malas e partida

Colhi o zelo com que guardavas o sol
Colhi a luz desapercebida

Colhi dos teus aromas
E jeitos...

Colhi e guardei as sementes em palavras arquejadas
Imaginando o que poderia ser colhido das nossas bocas caladas...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Amaciante


Eu me lembro que no final,
Acho que sempre é mais ou menos assim,
Ao menos quando tudo acaba tão mal,
Que tudo desmoronou ao redor.
A locadora da esquina virou
Um triste e pobre brechó
Antes de anunciar que lavaria roupas a preços baixos,
Mas as peças que ficaram foram tão poucas
Que fiquei com medo de trocar
O cheiro do teu desodorante
Por aquele neutro amaciante...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Meu Copo d'água

Nunca me admirou minha falta de jeito para quase tudo.

Os sapatos de dança se aleijaram de mim logo cedo, por um infortúnio de lábios infantis que beijaram o espaço entre minhas mãos vazias, desde então, passei a andar na ponta dos pés quando descalço não para não enfrentar o frio do chão, mas para sonhar o bailarino que fingiria ser.

Nunca me admirou meu desacerto de cúpula rachada.

O corpo é meu desafino. Ressoado, cada gesto é uma nota mal colocada, totalmente fora de dissonância sem ressonância com nenhum outro gene. Minha leve respiração, por muitas vezes tossida, quase nunca se deixa ser ouvida, a não ser nas noites que passei sem o corpo doido.

Nunca me admirou meu atraso.

Minha lentidão, meu atraso e meus passos atrasados não foram resolvidos com o simples adiantar de um relógio, com o simples toque do despertador, com a simplicidade do teu toque em meu ombro caído, o atraso está em mim, assim como teu silêncio, porque o meu ficou em ti.

Mas meu copo d’água continua na estante ao dormir.

Não tenho sede a noite, não acordo na madrugada, minha insônia é quando ela ainda brilha tranqüila, mas ainda deixo o copo d’água para, errado, ser apenas exagerado e, certo, te entregar a meus cuidados.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Antes que seja tarde...

Quando eu mandar meus sinais, ligar luzes, acender fogueiras, indicar minhas ausências casuais, acredite, estou perdido porque não pertenço às baixas ruas escuras, não reconheço mais esses sujos paralelepípedos que são as células de meu corpo as celas da minha alma. Porque tanta festa ao ser preso?

Não fui preso, não há correntes marítimas que me façam seguir esses cursos pelos oceanos se sei que não me foi intimada nenhuma condenação, sou livre para dar as mãos e permanecer na viajem para casa que é a imensidão do mundo sem escalas.

Sem paradas aleatórias minhas únicas estradas são eventuais brisas.

O ar, ou o seu cheiro, não me parecerá familiar durante a jornada porque nunca fico o suficiente para minha doce e suave memória guardá-los, ensimesmá-los, ser esse ar, deixá-los em minhas celas.

E nem tente me seguir, não deixo passos quando piso o ar, não tente achar o norte em pontos cardeais, você só vai achá-lo em palavras, só algumas pessoas pobres indicando o caminho a seguir.

Vou, então, descobrir o que me aguarda atrás das portas de vidro fechadas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Na noite te procuro em minhas lentes
Oh, minha astronauta,
Estarão os astros dementes?
E te soltaram, para não mais nos orbitar?

Em estrelas não mais te vejo
Constelações somem em lampejos
Só resta uma desordenada visita
Daquela nobre solidão que ainda grita

Oh, astronauta, bela astronauta
Que sonhos são os teus?
Se meus assobiados suspiros te perderam
Vá, na falta de gravidade, me esquecer...

Com zelo guardarei tua surrada roupa espacial
Para você não esquecer teu planeta natal...

domingo, 24 de janeiro de 2010

Soninho

Perco o sono varias noites por sono
Ganho mais um sol em cada noite nascer
Terço meus travesseiros como rodas de estrada
Meus cabelos sem teus dedos são quase nada

Esqueço tesouros escondidos em barro
E mais uma vez, aí, como me sinto só
Ouvindo o inegável barulho dos silêncios crônicos
Como vozes de lençóis rodeados de sons anacrônicos

O próprio teto se ilumina como aquelas abóbodas estreladas
Mas vai embora, como se, pelo vento, fosse levemente esporeado

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Doença

Umas poucas vidas me disseram que a vida que eu levava me trazia aquela doença que consumia tudo que eu era para ser doença, aquela doença me tomava para me transformar nela mesma, era uma dança pouco sincronizada entre mim e ela, era como me ter sem me ter, era como me ser sem me ser, era como apodrecer por dentro, ou um par de sapatos do meu tio.

Uma muita vida me disse que ainda havia esperanças no que eu achava ser apenas um monte de palavras cruzadas, chaveadas por milênios de desinformações, mas as desinformações só se encontravam naquele meu sentimento de rebeldia deslocada, assim como eu e só vi que aquela mesma doença também me cegava quando finalmente enxerguei.

E minhas mãos tocavam lápis, cordas, papel e madeira sem saber o quanto aquilo estava oco, tão vazio por dentro estavam àquelas poesias, a doença também as consumia, remoia cada nota, cada verso, como se deles se alimentasse e os plantasse para seu próprio consumo.

E para ser curado da doença, não bastou toque de gaita, não bastaram palavras vazias, era necessário um toque de uma mão que fez muito mais do que eu, era necessária uma palavra cheia de uma esperança, cheias de uma perfeição que eu não encontraria sem que antes, morresse.

O verdadeiro e perfeito amor embevece-se pela morte...

Foi necessária uma morte para se desfazer doença, e a cura perdura pela vida.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sol, Lua

As sardas calculadas do teu rosto
Lembram, mesmo não tendo o mesmo gosto,
As ruínas de algum império antigo
Que reinou sobre a lua, centauri
Ou algum lugar mais longínquo

Belezas puras; fieis mistérios
Como mil monastérios

Intocáveis distâncias, alvos de ânsias
Cobrem algumas intempéries

Da personalidade forte
Os traços dos olhos
Metrificados, desenhados no corte
Do pincel criador, flor e sorte

Herdou dos genitores
O brilho solar,
As sardas da superfície lunar
E uma constelação de amores