sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eu não entendo do amor

E acho que ninguém entende dele. E quando alguém puder ver que há coisas muito maiores que o céu ficará cego, mas, mesmo cego, duvido muito que entenda dele.
Hoje talvez eu te escreva uma carta de amor, amanhã, quem sabe, o dia nasça com sabor de figo (alguém ai já provou figo?) e depois de amanhã, talvez, uma frase ou três, não entendo.
Eu não entendo como num dia ele parece com a chuva que lava a calçada da casa e no outro o brilho solar que enxuga, mas ainda assim deixa frio.
Não entendo seu peso, nem sua leveza, não entendo que não tenha preço, imune a qualquer tipo de avareza, mas ainda se deixa matar se cobrada qualquer dívida, mas não há certeza.
E como o amor, mesmo quando platônico, deixa dúvida na certeza, deixa um inseguro ciúme, não se sabe nem se se pode sentir ciúme.
E como ele presta serviço militar sem doutrina, sem disciplina, sem ninguém para dizer como ele deve se arrumar quando for se apresentar aos superiores. Que superiores?
E como é que dele pode surgir tanto misticismo, tanto mito e, ao mesmo tempo, tanta verdade incontestável.
Como é que pode ser autofágico. Vejam: o amor é autofágico! Biológico e mágico!
O amor dá banho quente em dia de sol e depois esfria o dia para corrermos pra baixo de nosso lençol.
Não entendo como o amor dá branco na memória que nunca chegou a ser fato passado, nem como ele faz caminho sozinho, sem motivo.
Não entendo como o amor nasce, não entendo como o amor nunca esquece, não entendo como o amor cresce.
Não entendo como o amor não nasce, não entendo como o amor esquece, não entendo como o amor não cresce.
Não entendo como o amor pode ser tão amoral, tão atemporal, como ele pode correr por vias de cetim sem rasgá-las.
Nem como ele chega despercebido como um uma pluma, mesmo sendo o próprio pássaro ou como ele pousa macio, mesmo quando é tão denso.
Ou como ele se ergue por dentro sem desmoronar por fora, como traz esperança, como traz lembrança.
Ou como ele deixa entrar só quando há a possibilidade de se expulsar.
Eu não entendo do amor e não me ariscarei a defini-lo. Espero, paciente, e na lentidão que só ele entende, que ele me defina.
Seja por experiência, erro, acerto ou desacerto.
Não defino o amor. Espero que o amor me defina.

sábado, 22 de agosto de 2009

Início e Final...

Eu fico triste ao te imaginar só. Mesmo tendo sido você a antecipar a solidão em uma chuva de doces vozes vindas de azedas vocês.
Te imagino, certo, certeiro, se entregando a algum copo de bebida, melhor que se entregasse logo a algum corpo macio, lascivo. Me doeria menos ver-te embriagada de suor provindo de amor, do que do álcool provindo do desgosto inexistente.
Mas o que queria era a solidão de deitar na grama que coça, olhar o céu sem constelação e admirar como a lua se põe, ranzinza, em horários irregulares.
Coça olhar a terra molhada virando lama com pegadas solitárias, sem giros, sem sandálias perdidas para serem levadas com a correnteza que se forma para o bueiro mais próximo, sozinho só me distraio comigo mesmo, o que não é o suficiente para deixar as coisas serem levadas pela água da chuva, a água da chuva não lava minhas mágoas quando só, a água da chuva, só, não leva minhas raízes.
Imagino, com a certeza dos suicidas que pulam de prédios realmente altos, ver um belo rosto parar de chorar assim que viro as costas. Preferia que continuasse chorando. O início é generoso assim como o fim é egoísta, não tem medo do que o outro vai pensar, não há mais quem pense.
O início realiza desejo.
O fim desfaz o querer que sobrar.
O início é vermelho.
O fim é tom pastel com queda pro cinza.
Início é queda de degrau imaginário.
Fim é saber-se finito.
Os dois tão específicos que ninguém concordará com metade do que digo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Testando dentes em frios corações

Tivemos medo de nos ferir no processo infinitesimal de uma microcirurgia sentimental. Ao mesmo tempo em que eu não queria fugir, eu não queria ficar, ao mesmo tempo em que você não queria ficar, não queria fugir e isso fez toda a diferença na hora de tirar os instrumentos de dentro do corpo inerte que se tornou a vida que criamos. Corpo de dentes fortes, prontos para morder o mais frio dos corações, até ter que morder seu próprio coração.
O amor é autofágico. Testo dentes em frios corações. Só se amolece corações de pedra com a água que é uma líquida palavra quando bem colocada, não há óleo que dê jeito e não adianta bater, coração não fura e se fura, quebra, mas quando tratado pelas mais belas palavras, amolece como o núcleo de uma grande estrela, tão luminosa por fora, mas de coração amolecido por dentro e portador de calor incalculável.
O que acontece quando o fim está tão próximo e não há mais barcos para recuar? Fomos tão longe, navegamos tantas luas, cada uma tão infinita quanto a anterior, surfamos as montanhas de um planeta que eu ainda guardo a areia que ficou nos bolsos e que a máquina de lavar não fez escorrer pelo ralo, mas não consegui segurar a mão que, não esticada, mas tímida, gesticulava códigos que eu sou incompetente em decifrar. Me forjei incompetente em te decifrar perto do fim.
No fim o mar se desfez na plenitude branca de uma nuvem, o cachorro do vizinho morreu, e a gata de casa não voltou de suas excursões noturnas. A prateleira que eu, com ajuda, preguei à parede, foi brutalmente arrancada e meu coração esfriou como o de uma estrala que já não brilha mais e ficou na espera de água, que só essa amolece frios corações.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Gravidade

Quando te vi flutuar na falta de gravidade
Meu coração se desfez como uma velha estrela
E mesmo com minha tão pouca idade
Milhões de anos luz desejavam tê-la

E a toda essa distância percorri
Enquanto você o céu olhava, avoada
Para ver, mesmo sem ter, a manhã sorrir
E eu me tornar a estrela já fadada

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Bem ou mal

Bem ou mal me vejo
Como um passageiro desejo
Não ponho, nos poemas, data
Que quando revelada mata
A eternidade sem começo ou fim

Um passageiro desejo
Que espera não sumir de lampejo
Não ser um acidente barato,
Mas no peito um retrato
Borrado pelo tempo, caçado pelas horas

Bem ou mal me esqueço
Que quanto mais me pareço
Com tuas memórias do passado
Mais parece engraçado
A estranheza no modo novo como me olha

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Declaração espacial

Com milhares de galáxias de distância
Mas na ânsia de todos os meus sensores
Vou te mandar recados com o zelo dos apaixonados
Poesias e declarações
Com todos os meus carinhos e borrões

Eu bem que podia também te enviar
Os olhares que, em ti, me fizeram ver
Que ali, por toda uma estação espacial qualquer
A radiação das estrelas me fez te perceber

No brilho holográfico de uma tevê
Na natureza morta do quadro de tráfego
Que formavam pequenas supernovas
E elas, assim como belas trovas, dizem: vê!

Quanta beleza há nos teus olhos míopes
E a certeza contida nos meus propulsores que seguem
Teus passos... No espaço...
Meus sensores já rubricam

Laços e amores...