quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Final (de ano) feliz

Nota: Meu final (de ano) feliz esse ano vai para todos e é: Que nossos corações não mais sejam alvos de tufões destruidores, mas apenas de furacões arrasadores de ventos macios e de amores; mas o daqui não vai para nenhuma pessoa, mas para um livro, vou apenas deixar o meu desejo de...


Que cada pingo em suas páginas
sejam as lágrimas que são, assim como os olhos hão de ser janela,
as portas escancaradas para a verdade molhada nelas contidas, entrar
porque o peito antes isolado e morto por falta de ar
agora levanta, mas ainda em silêncio
desfruta de todos esses propósitos.
Que cada lágrima, em cada página, seja uma porta escancarada

que cada amassado ou dobradura, aparentemente a toa
seja para que se volte ao caminho certo,
se o caminho estiver errado
porque ele pode estar errado mesmo se a estrada parecer boa

E que cada orelha que, por acaso, ficar
Seja como a de um filho as palavras de um pai escutar


Salmos 119.9 "como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra."

Salmos 119.11 "Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti."

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Aurevoir, cheris!

domingo, 13 de dezembro de 2009

N'algum eu, lá estava

Das multidões abarrotadas que tropecei quando ia para longe de casa, das populosas manhãs de transportes lotados e dos centros abarrotados de olhos curiosos nas vitrines não veio sequer um pedaço.

Das montadoras chinesas e seus funcionários que nada sabem sobre o mundo lá fora que nós nada sabemos sobre o mundo lá dentro deles, das sapatarias vietnamitas de pés e pernas amputadas na guerra, nem sequer da guerra, vieram pedaços.

Das montadoras de chips tecnológicos norte americanas, das montanhas geladas russas, das ruas principais de Paris ou dos pubs ingleses mais famosos, nada veio.

Quando procurei nos vídeos vergonhosos de infância, câmera de cabeça para baixo, e nas fitas k7 gravadas por engano de um gravador ligado, não encontrei se quer uma versão modificada do passado.

Quando procurei nas feições parentais, pensando haver explicações psicanalíticas, só houve confusão, nem as lágrimas nos meus olhos eram iguais.

Então, onde procurar?

Por serem muitos, e por preguiça, de cara, não procurei dentro de mim e tal foi a surpresa quando, n’algum eu, lá estava o amor que agora sou.

Quinze dias de chuva

Choveu em mim a tua paz. Choveu em mim aquilo que um dia fui e que deveria voltar a ser, como homem. Choveu em mim teu perdão. Choveu em mim o que eu desejo ser para ser melhor.

Chuvas azuis.

Choveu sobre mim doce carinho de um pai. Choveu o raiar de um dia que deveria sempre estar aqui. Choveu sobre mim uma face que sabe o que há de vir. Choveu um anuncio de dias mais plenos. Choveu sobre mim uma promessa de retorno.

Choveu um pássaro. E uma palavra. E uma voz. E tudo que eu poderia imaginar. E a proteção que eu não poderia supor. E o amor transbordante que eu não poderia suportar só.

Depois de anos de chuva, percebi que chovia. Depois de tanta chuva, capaz de inundar o mundo, percebi a voz da chuva. Aquela voz que não desistiu de chover para mim.

E depois de ter chovido tudo o que eu não merecia por, nela, não ter nenhum mérito, depois de dias de chuva, quinze dias de chuva, continua a chover.

Eu exijo tuas falhas adocicando o chá do meu diário

Por vezes o imprevisto nos ataca como um piloto suicida, como se fossemos o único alvo possível e o imprevisto de um cruzar de olhos errados nos apaixona. O imprevisto imprevisto nos toma.

E é só quando nos encontramos tomados pelo esquisito lugar que chegamos, cheio de cores e cheiros, sem perfumes de terceiros, é só então que no aveludado silêncio da tua voz eu reparo teus erros aprofundados.

Quando não somos mais estranhos, quando não ficamos mais de longe achando que nos conhecemos de algum lugar, quando o frio do chão só corta quando atravessamos o quarto a noite, é que os risonhos riscos aparecem.

E assim, verso a verso vou desejando tais aparições.

Não contei os passos nem os degraus da escada com medo de tropeçar no meu próprio corpo que de tão fóbico de si mesmo esqueceu como se anda e se conta ao mesmo tempo, operação tão fácil na infância, a pouco nem pensava mais quando andava, apenas andava.

E é assim, andando na contramão, que vou desejando suas aparições.

Um erro, só um, e posso respirar, desejo esses erros tão doces todos os dias depois das seis, na hora do chá, do café, na hora de tomar ar, não passo mais sem esses desacertos.

Esses erros são palavras doces escondidas que se tornariam amargas se fossem ditas, palavras palpáveis se pronunciadas, mas displicentemente leves como nuvens só porque não chegaram a tocar o ar. Souffle.

Eu quero os teus erros adocicando o chá do meu diário. Cada página.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Se eu morrer

Se eu morrer... Se eu morrer com reticências no final não me procure depois deles, já não vou mais estar lá, talvez me encontre em outras linhas, talvez nas que eu escrevi, talvez nas de que qualquer outro escritor imprimir, mas não depois do terceiro ponto depois dos pontos, certamente num terceiro céu, mas não na mesma linha.

Se eu morrer, eu mudo, mas continuo mudo da boca, não fechem meus olhos e morrerei tagarelando (por eles) às nuvens. Não fechem meus olhos e continuarei nosso papo de velório, não fechem meus olhos e quem me velar velará junto minha voz, não fechem meus olhos e meu canto continuará ecoando com a cor de meus olhos, seja lá ela qual for.

Se eu morrer trabalhando, terei morrido feliz, no mínimo, sentindo-me útil, se eu morrer em campo, alegrai-vos, continuarei vivendo em trabalho e envelhecerei de barriga cheia, porque, em fim, poderei engordar.

Mas se eu morrer em altas velocidades, nem adianta me procurar.