sábado, 30 de maio de 2009

O mar e a cidade

O mar estava longe, bem longe, mas ele sabia que era de lá que aquele vento úmido vinha, mesmo que o vento não trouxesse consigo o cheiro salgado das águas de lá, ele sabia pela direção do vento que era de lá que ele vinha.
É um vento quente que seca as lágrimas dos chorosos antes que elas cheguem a cair. Elas ficam, feitas poesias, nos olhos que as abortaram, não há nada que as espere lá fora, só os velhos becos escuros, ou as ruas descalças, ou só aquela velha sensação de vazio salgado, lagrimas são salgadas só para parecerem com o mar. Será que alguém derramou tantas?
E o espetáculo das ondas continua. Nunca gostei da areia, mas o mar sempre me encantou, acho que encanta a todos, o velho mar, os velhos que se dirigem ao mar, nem precisam de sereias para atraí-los, simplesmente deixam-se levar pela musica que as águas fazem quando colidem com as pedras e é sempre o mesmo barulho.
Do mesmo modo que a visão do mar me encanta, o barulho sempre me assustou. Acredito que seja simplesmente medo do infinito. Eu sei que o mar acaba, em algum lugar além da linha do horizonte, mas acaba, mas o barulho fica lá, tão velho quanto ele mesmo, muito mais velho do que as ruas descalças dessa cidade.
O infinito amedronta, mas também tem sua beleza, e assim o é, infinitos como o barulho do mar.
Eu sou pouco para caber o infinito, talvez exploda ao entendê-lo, ao sair da cidade, talvez caia no mar, não um enterro no mar, mas um mergulho no barulho que ele faz ao bater nas pedras, o infinito barulho que nunca secou.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Habitante

Não sou naturalmente habitável.
Mesmo assim, insisto em ser passageiro de mim.
Passei a não me considerar confiável para nutrir seres dentro de meu habitat particular, o clima dentro dele sempre enlouquece, sou um Desconstrutor Climatológico Compulsivo (DCC). Meu peito é sem jeito. Os seres saem, saem assim sem prazer, sem pra que, tanto faz.
Mas às vezes me creio, creio em minha voz a me dizer para ser perfeito até onde der, enquanto der, e por quem der. E quando alguém cai em mim, e eu me amedronto com a possibilidade de não sobrevivência, de tempestades subtropicais destruindo sólidas ou frágeis estruturas construídas as pressas, é quando tenho que escolher novos rumos para as coisas, novos refúgios para mim mesmo.
E tem mais, tem muito mais, acho que já passei do tempo para isso. Meu mundo particular envelheceu antes da hora, não que me ache velho, mas parece que o espelho anda ficando velho. Enquanto eu caminho na direção do tempo, o espelho corre, leva o velocímetro ao limite e eu o observo. Olhar meu espelho é como olhar alguém que envelheceu antes do tempo. O espelho envelheceu antes do dono (ou seria o contrário?).