quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Final (de ano) feliz

Nota: Meu final (de ano) feliz esse ano vai para todos e é: Que nossos corações não mais sejam alvos de tufões destruidores, mas apenas de furacões arrasadores de ventos macios e de amores; mas o daqui não vai para nenhuma pessoa, mas para um livro, vou apenas deixar o meu desejo de...


Que cada pingo em suas páginas
sejam as lágrimas que são, assim como os olhos hão de ser janela,
as portas escancaradas para a verdade molhada nelas contidas, entrar
porque o peito antes isolado e morto por falta de ar
agora levanta, mas ainda em silêncio
desfruta de todos esses propósitos.
Que cada lágrima, em cada página, seja uma porta escancarada

que cada amassado ou dobradura, aparentemente a toa
seja para que se volte ao caminho certo,
se o caminho estiver errado
porque ele pode estar errado mesmo se a estrada parecer boa

E que cada orelha que, por acaso, ficar
Seja como a de um filho as palavras de um pai escutar


Salmos 119.9 "como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra."

Salmos 119.11 "Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti."

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Aurevoir, cheris!

domingo, 13 de dezembro de 2009

N'algum eu, lá estava

Das multidões abarrotadas que tropecei quando ia para longe de casa, das populosas manhãs de transportes lotados e dos centros abarrotados de olhos curiosos nas vitrines não veio sequer um pedaço.

Das montadoras chinesas e seus funcionários que nada sabem sobre o mundo lá fora que nós nada sabemos sobre o mundo lá dentro deles, das sapatarias vietnamitas de pés e pernas amputadas na guerra, nem sequer da guerra, vieram pedaços.

Das montadoras de chips tecnológicos norte americanas, das montanhas geladas russas, das ruas principais de Paris ou dos pubs ingleses mais famosos, nada veio.

Quando procurei nos vídeos vergonhosos de infância, câmera de cabeça para baixo, e nas fitas k7 gravadas por engano de um gravador ligado, não encontrei se quer uma versão modificada do passado.

Quando procurei nas feições parentais, pensando haver explicações psicanalíticas, só houve confusão, nem as lágrimas nos meus olhos eram iguais.

Então, onde procurar?

Por serem muitos, e por preguiça, de cara, não procurei dentro de mim e tal foi a surpresa quando, n’algum eu, lá estava o amor que agora sou.

Quinze dias de chuva

Choveu em mim a tua paz. Choveu em mim aquilo que um dia fui e que deveria voltar a ser, como homem. Choveu em mim teu perdão. Choveu em mim o que eu desejo ser para ser melhor.

Chuvas azuis.

Choveu sobre mim doce carinho de um pai. Choveu o raiar de um dia que deveria sempre estar aqui. Choveu sobre mim uma face que sabe o que há de vir. Choveu um anuncio de dias mais plenos. Choveu sobre mim uma promessa de retorno.

Choveu um pássaro. E uma palavra. E uma voz. E tudo que eu poderia imaginar. E a proteção que eu não poderia supor. E o amor transbordante que eu não poderia suportar só.

Depois de anos de chuva, percebi que chovia. Depois de tanta chuva, capaz de inundar o mundo, percebi a voz da chuva. Aquela voz que não desistiu de chover para mim.

E depois de ter chovido tudo o que eu não merecia por, nela, não ter nenhum mérito, depois de dias de chuva, quinze dias de chuva, continua a chover.

Eu exijo tuas falhas adocicando o chá do meu diário

Por vezes o imprevisto nos ataca como um piloto suicida, como se fossemos o único alvo possível e o imprevisto de um cruzar de olhos errados nos apaixona. O imprevisto imprevisto nos toma.

E é só quando nos encontramos tomados pelo esquisito lugar que chegamos, cheio de cores e cheiros, sem perfumes de terceiros, é só então que no aveludado silêncio da tua voz eu reparo teus erros aprofundados.

Quando não somos mais estranhos, quando não ficamos mais de longe achando que nos conhecemos de algum lugar, quando o frio do chão só corta quando atravessamos o quarto a noite, é que os risonhos riscos aparecem.

E assim, verso a verso vou desejando tais aparições.

Não contei os passos nem os degraus da escada com medo de tropeçar no meu próprio corpo que de tão fóbico de si mesmo esqueceu como se anda e se conta ao mesmo tempo, operação tão fácil na infância, a pouco nem pensava mais quando andava, apenas andava.

E é assim, andando na contramão, que vou desejando suas aparições.

Um erro, só um, e posso respirar, desejo esses erros tão doces todos os dias depois das seis, na hora do chá, do café, na hora de tomar ar, não passo mais sem esses desacertos.

Esses erros são palavras doces escondidas que se tornariam amargas se fossem ditas, palavras palpáveis se pronunciadas, mas displicentemente leves como nuvens só porque não chegaram a tocar o ar. Souffle.

Eu quero os teus erros adocicando o chá do meu diário. Cada página.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Se eu morrer

Se eu morrer... Se eu morrer com reticências no final não me procure depois deles, já não vou mais estar lá, talvez me encontre em outras linhas, talvez nas que eu escrevi, talvez nas de que qualquer outro escritor imprimir, mas não depois do terceiro ponto depois dos pontos, certamente num terceiro céu, mas não na mesma linha.

Se eu morrer, eu mudo, mas continuo mudo da boca, não fechem meus olhos e morrerei tagarelando (por eles) às nuvens. Não fechem meus olhos e continuarei nosso papo de velório, não fechem meus olhos e quem me velar velará junto minha voz, não fechem meus olhos e meu canto continuará ecoando com a cor de meus olhos, seja lá ela qual for.

Se eu morrer trabalhando, terei morrido feliz, no mínimo, sentindo-me útil, se eu morrer em campo, alegrai-vos, continuarei vivendo em trabalho e envelhecerei de barriga cheia, porque, em fim, poderei engordar.

Mas se eu morrer em altas velocidades, nem adianta me procurar.

domingo, 22 de novembro de 2009

O que eu quero...

Eu queria as chaves
Dos teus sonhos perdidos
Eu queria as claves
Dos teus cantos não ditos

Eu queria os castelos
Das tuas cartas seladas
Queria todos os elos
Das tuas costas aladas

Eu sou apaixonado pelo seu olhar de quando vem ao meu mundo
Por isso eu quero tudo que te faz sempre figura e não fundo

sábado, 7 de novembro de 2009

Estações

Abrir as janelas em doces verões
Na loucura que se configura meu olhar
Sanado apenas pelas insolações translúcidas
Verdes acastanhadas belamente meladas
De caminhos luminosos de ver

O comum calor agora se intensifica
Assim como os dourados das peles
Como o desabrochar da brisa quente que fica
Ou o orvalho dos dedos substituídos rapidamente
Pelo suor que desce displicente

É então que a água em banhos marítimos
Vem como furacões alheios a falta de ar
E os pés molhados pelas ventanias de ondas
Esquecem o calor que choveu do chão
Preguiçosa estação

O outono enche de amor os dias e as imagens
Como se o amor mudasse de cor
E se tornasse o marrom que cobre o chão
Só para chover em cima daqueles que passam
E dar mais trabalho ainda àqueles que o guardam

É quando ele se torna as folhas caídas
E dá alegrias aos que o aguardavam
Aguardam tudo cair do céu como um poente
Como a lua que cai no mar ainda quente
E espera o marinheiro chegar

É então que cada folha ganha a liberdade
Que só teria se fosse flor
De acariciar, sorrateira, mas certeira
Os cabelos das passantes desavisadas
Sagaz estação

Quando chegam os cheiros, quando chega a voz
Quando os odores disparam como luzes
Quando essas flores encandeiam sentidos
Quando todos resolvem poetizar
Quando tudo parece querer ser poesia

Fica parecendo que o dia criou asas
Ou que as asas criaram os dias em ninhos
E os deixaram ir de repente.
Os dias foram embora e só deixaram cores
Que passam horas coloridas e distantes

Partos são primaveras gritadas
Primeiros beijos são primaveras silenciosas
Olhares são primaveras rasgadas
Conversas são primaveras ociosas
Criativa estação

O frio chega inevitável como a vida
Chega como a amiga querida
Que deixou seu castelo e veio a cavalo
E me faz entender porque me calo
Diante de toda pele macia

Chega inabalável em sua força fria
A procura de abrigo deixa de ser escolha
Nos abrigamos em espaçosos corações
Apenas abertos pelo segundo do piscar
Para aquecer, para fazer crescer abraços

Então nos vemos encobertos pela neve
Que, alheia ao desejo que ferve, nos espreme
O inverno nos torna flores e nos junta em buquês de lírios
Temo descobrir no inverno, na falta de calor, teu amor
Descoberta estação

domingo, 1 de novembro de 2009

Coleção




Coleciono vidas alheias
De ninguém em especial
De ninguém que me viu
Colecionando promessas
Colecionáveis palavras
Espaçosas e espessas
Coleciono emoções
Que se fazem em meu destino
Caminhões de mudança

Coleciono erros
Coleciono desacertos
Coleciono infâncias

Coleciono porque sou colecionável
Coleciono para que me tenhas em álbum
Coleciono para que me tires na sorte

Os incolecionaveis dias friorentos em que fazem sol eu guardo em pedra
Assim como a conversa sobre a cor da brisa do dia e as coisas banais


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Na ordem: Moeda de lugar desconhecido (alguém poderia me dizer de onde é?)
Selos comemorativos literários: Mario Quintana, poeta-jornalista-escritor-brasileiro (alguém me arruma um?); Vladimir Mayakovsky, poeta-russo; e Rimbaud, poeta-francês.

sábado, 24 de outubro de 2009

Erro

Erro por sono
Erro pulsão
Erro por ser são
Erro por sessão
Erro possessão
Erro por ser som
Erro por secção
Erro seção
Erro por ser tom
Erro propulsão
Erro por teu não
Erro meu chão

Erro por ser erro
Erro por ser errado
Erro ainda calado

Erro por dedo
Erro por medo
Erro por ser cedo
Erro azedo

Erro doce como se fosse assim caído ao seu mundo invertido
Erro alegre, riso de jóia noturna, tirada de baú de erro contido.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Voltarei, ele disse,
irei por necessidade extrema, porém,
ainda amo-te, amo-te como se fosse você
a amar-me,
amo-me a ti, e por isso, assim deve ser.

E se souberes a força que vi
As coisas que preparei e cresci
Jogarias pro ar
Constelações cairiam no mar
E quando tudo isso acontecer
Quando, crescido, acolher
Meu coração no teu
Saberás que a promessa que fiz
Não poderia ser quebrada
Dádiva do sacrifício que nos uni
Entenderás não ter estado abandonada
E apenas acordada
Despertará

sábado, 17 de outubro de 2009

Me atrasei dentro de mim

Cedo ou tarde me colocarei em desvantagem por não descobrir como eu posso virar vaso de flor, não descobrirei por pura sorte e por querer não descobrir, não querer achar e então, perdido, acabarei atrasado dentro de mim.
Cedo acordei por pensar que era tarde e então voltei a dormir o sono dos vigiados de perto, o sono daqueles todos que ouvem música ao sonharem, voltei a dormir as sapatilhas de bailarina de uma filha, voltei a sonhar os cantos dos interruptores e acabei me atrasando dentro de mim.
Foi tarde do dia que a noite passou despercebida. Foi há muito tempo que o tempo parou para ajudar a levantar, não há como ajudar a levantar sem parar. Foi nas fichas de fliperama e nos números entre um e doze que acabei atrasando dentro de mim.
Havia CDs e LPs espalhados por todos os cantos da casa quando os cantos da casa anunciavam a vida que viria embalada em papel de jornal. Havia imagens e recordações penduradas nos dedos das mãos quando as engoli como morango. Não importava o quanto espalhava as coisas penduradas, acabava me atrasando dentro de mim.
Aprendi cochilando as regras dos jogos mais complexos. Jogos de amar. Cortei com as mãos tudo que esperei pelo tempo que joguei. Não eram só jogos, nunca foram nunca serão, mais pareciam labirintos, e, quanto mais os adentrava e procurava saída, mais eu me atrasava dentro de mim.
Tentei encontrar saída e me atrasei dentro de mim, vasculhei atrás dos quadros a procura dos perfumes passados e me atrasei dentro de mim, tentei acender lâmpadas que não estavam lá depois da ceia e me atrasei dentro de mim, tentei chegar na hora certa de voltar, mas me atrasei dentro de mim.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Economia

Economizo beijos
Para guardá-los
E esquecê-los.
Economizo rugas
Envelhecidas curvas
E desejos.

Economizo lampejos
Os obedeço
Deixo voarem.
Economizo despejos
Deixo ficar
Espero, fatalmente, desabitarem.

Economizo corridas
Fico devagar
Vagar vagas lembranças.
Economizo figuras
Digo certeiro
Às entendidas crianças.

Economizo dias raros
Da parede-memória
Irrisórios e caros.
Economizo amores perfeitos
Como se fossem dizer,
Como se fossem inteiros.

Economizo raios e trovões
Que anunciam as multidões
A vida!
Economizo veios
Estradas passadas,
Bocas vidradas.

Economizo asas.
Economizo folhas.
Economizo ventos.
Economizo tempos e escolhas.

Economizo ecos
Para não ficar voz
Não se fazer nós

Economizo economias
Pra deixar a vida...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Não mais

Não mais endereçarei minhas cartas. Anônimo eu não serei mais, mas, quem se dispuser a recebê-las, secreto não será mais o admirador, o tempo que está por vir faz não conhecida qualquer que seja a caixa de correio que se configurará morada breve, qualquer que seja o relicário que se transformará em asilo de letras mal feitas, ou museu de documentos antigos, de curador esquecido, pelo tempo, engolido.

Não mais saberei se é certo fazer concreto um pobre sonho, não que ele seja pobre de detalhes, detalhes não faltam nas histórias criadas durante o sono, o sonho é pobre porque é generoso demais. Ele se dá a quem sonha. O sonho se dá ao sonhador. Não mais terei tal certeza, não porque deixarei de sonhar, mas porque deixarei o concreto pelo caminho, não construirei nada com ele.

Não mais descobrirei janelas em paredes tortas, todas serão quadros de Monet ou outro famoso francês, nem reestruturarei meus castelos no céu depois de ruídos e espalhados em nuvens acinzentadas, os deixarei chover.

Não mais me acharei em estrelas alheias. Um ponto no escuro ralhar dói nos olhos, na retina do coração, mas é uma dor boa, dor de mudança, mudar cones e bastonetes. Acharei o silencio, um silencia em mim, que me levará novamente a tranqüilidade das paisagens bucólicas.

Não mais continuarei nessa história, não porque ela não tenha acabado, ela acabou inacabada e é por isso que saio sem despedidas espetaculares, só com palavras de adeuses mal ditos que são , por si só, espetacularmente tristes do meu ponto de vista. Não vou mais desabafar na imaginação que um dia foi tudo que tive, não, não mais.

...

Não, mas as cartas você um dia lerá, publicarei em algum livro por pura diversão.

Vou fechar sem piedade as janelas que não soprarem som, assim como o sonho que não se der.

Não mais tentarei entender teus sinais que não cabia entendimento e que eu lutava para guardar, nem a tua caligrafia que eu imaginei arredondada. Não mais tentarei guardar teus olhos que eu sonhei amendoados.

Não mais.

domingo, 20 de setembro de 2009

Curiosa Amizade

Quis te descobrir
Rascunhos do que não foi um dia
E quando um sorriso que abri
Iluminou a cidade
A amizade matou
A curiosidade

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eu não entendo do amor

E acho que ninguém entende dele. E quando alguém puder ver que há coisas muito maiores que o céu ficará cego, mas, mesmo cego, duvido muito que entenda dele.
Hoje talvez eu te escreva uma carta de amor, amanhã, quem sabe, o dia nasça com sabor de figo (alguém ai já provou figo?) e depois de amanhã, talvez, uma frase ou três, não entendo.
Eu não entendo como num dia ele parece com a chuva que lava a calçada da casa e no outro o brilho solar que enxuga, mas ainda assim deixa frio.
Não entendo seu peso, nem sua leveza, não entendo que não tenha preço, imune a qualquer tipo de avareza, mas ainda se deixa matar se cobrada qualquer dívida, mas não há certeza.
E como o amor, mesmo quando platônico, deixa dúvida na certeza, deixa um inseguro ciúme, não se sabe nem se se pode sentir ciúme.
E como ele presta serviço militar sem doutrina, sem disciplina, sem ninguém para dizer como ele deve se arrumar quando for se apresentar aos superiores. Que superiores?
E como é que dele pode surgir tanto misticismo, tanto mito e, ao mesmo tempo, tanta verdade incontestável.
Como é que pode ser autofágico. Vejam: o amor é autofágico! Biológico e mágico!
O amor dá banho quente em dia de sol e depois esfria o dia para corrermos pra baixo de nosso lençol.
Não entendo como o amor dá branco na memória que nunca chegou a ser fato passado, nem como ele faz caminho sozinho, sem motivo.
Não entendo como o amor nasce, não entendo como o amor nunca esquece, não entendo como o amor cresce.
Não entendo como o amor não nasce, não entendo como o amor esquece, não entendo como o amor não cresce.
Não entendo como o amor pode ser tão amoral, tão atemporal, como ele pode correr por vias de cetim sem rasgá-las.
Nem como ele chega despercebido como um uma pluma, mesmo sendo o próprio pássaro ou como ele pousa macio, mesmo quando é tão denso.
Ou como ele se ergue por dentro sem desmoronar por fora, como traz esperança, como traz lembrança.
Ou como ele deixa entrar só quando há a possibilidade de se expulsar.
Eu não entendo do amor e não me ariscarei a defini-lo. Espero, paciente, e na lentidão que só ele entende, que ele me defina.
Seja por experiência, erro, acerto ou desacerto.
Não defino o amor. Espero que o amor me defina.

sábado, 22 de agosto de 2009

Início e Final...

Eu fico triste ao te imaginar só. Mesmo tendo sido você a antecipar a solidão em uma chuva de doces vozes vindas de azedas vocês.
Te imagino, certo, certeiro, se entregando a algum copo de bebida, melhor que se entregasse logo a algum corpo macio, lascivo. Me doeria menos ver-te embriagada de suor provindo de amor, do que do álcool provindo do desgosto inexistente.
Mas o que queria era a solidão de deitar na grama que coça, olhar o céu sem constelação e admirar como a lua se põe, ranzinza, em horários irregulares.
Coça olhar a terra molhada virando lama com pegadas solitárias, sem giros, sem sandálias perdidas para serem levadas com a correnteza que se forma para o bueiro mais próximo, sozinho só me distraio comigo mesmo, o que não é o suficiente para deixar as coisas serem levadas pela água da chuva, a água da chuva não lava minhas mágoas quando só, a água da chuva, só, não leva minhas raízes.
Imagino, com a certeza dos suicidas que pulam de prédios realmente altos, ver um belo rosto parar de chorar assim que viro as costas. Preferia que continuasse chorando. O início é generoso assim como o fim é egoísta, não tem medo do que o outro vai pensar, não há mais quem pense.
O início realiza desejo.
O fim desfaz o querer que sobrar.
O início é vermelho.
O fim é tom pastel com queda pro cinza.
Início é queda de degrau imaginário.
Fim é saber-se finito.
Os dois tão específicos que ninguém concordará com metade do que digo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Testando dentes em frios corações

Tivemos medo de nos ferir no processo infinitesimal de uma microcirurgia sentimental. Ao mesmo tempo em que eu não queria fugir, eu não queria ficar, ao mesmo tempo em que você não queria ficar, não queria fugir e isso fez toda a diferença na hora de tirar os instrumentos de dentro do corpo inerte que se tornou a vida que criamos. Corpo de dentes fortes, prontos para morder o mais frio dos corações, até ter que morder seu próprio coração.
O amor é autofágico. Testo dentes em frios corações. Só se amolece corações de pedra com a água que é uma líquida palavra quando bem colocada, não há óleo que dê jeito e não adianta bater, coração não fura e se fura, quebra, mas quando tratado pelas mais belas palavras, amolece como o núcleo de uma grande estrela, tão luminosa por fora, mas de coração amolecido por dentro e portador de calor incalculável.
O que acontece quando o fim está tão próximo e não há mais barcos para recuar? Fomos tão longe, navegamos tantas luas, cada uma tão infinita quanto a anterior, surfamos as montanhas de um planeta que eu ainda guardo a areia que ficou nos bolsos e que a máquina de lavar não fez escorrer pelo ralo, mas não consegui segurar a mão que, não esticada, mas tímida, gesticulava códigos que eu sou incompetente em decifrar. Me forjei incompetente em te decifrar perto do fim.
No fim o mar se desfez na plenitude branca de uma nuvem, o cachorro do vizinho morreu, e a gata de casa não voltou de suas excursões noturnas. A prateleira que eu, com ajuda, preguei à parede, foi brutalmente arrancada e meu coração esfriou como o de uma estrala que já não brilha mais e ficou na espera de água, que só essa amolece frios corações.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Gravidade

Quando te vi flutuar na falta de gravidade
Meu coração se desfez como uma velha estrela
E mesmo com minha tão pouca idade
Milhões de anos luz desejavam tê-la

E a toda essa distância percorri
Enquanto você o céu olhava, avoada
Para ver, mesmo sem ter, a manhã sorrir
E eu me tornar a estrela já fadada

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Bem ou mal

Bem ou mal me vejo
Como um passageiro desejo
Não ponho, nos poemas, data
Que quando revelada mata
A eternidade sem começo ou fim

Um passageiro desejo
Que espera não sumir de lampejo
Não ser um acidente barato,
Mas no peito um retrato
Borrado pelo tempo, caçado pelas horas

Bem ou mal me esqueço
Que quanto mais me pareço
Com tuas memórias do passado
Mais parece engraçado
A estranheza no modo novo como me olha

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Declaração espacial

Com milhares de galáxias de distância
Mas na ânsia de todos os meus sensores
Vou te mandar recados com o zelo dos apaixonados
Poesias e declarações
Com todos os meus carinhos e borrões

Eu bem que podia também te enviar
Os olhares que, em ti, me fizeram ver
Que ali, por toda uma estação espacial qualquer
A radiação das estrelas me fez te perceber

No brilho holográfico de uma tevê
Na natureza morta do quadro de tráfego
Que formavam pequenas supernovas
E elas, assim como belas trovas, dizem: vê!

Quanta beleza há nos teus olhos míopes
E a certeza contida nos meus propulsores que seguem
Teus passos... No espaço...
Meus sensores já rubricam

Laços e amores...

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Casca de árvore

Eu era casca de árvore velha. Vi coisa demais, endureci pelo tempo, agüentei chuva depois de chuva de invernos molhados, enfrentei sois de verões que quem sabe um dia qualquer um que me lê verá, mas vi a primavera e os passarinhos que se não voam, no lugar, piam, e não vi as folhas caírem pela tela da tevê.
E as cascas das árvores caem sem tocar o solo. Elas criam asas como os passarinhos que nelas fazem ninhos, e flutuam como as vozes ininteligíveis que atravessam o campo, para o sol poente, onde ousam descansar sem queimar, vozes estranhas...
Mas as cascas de árvore também têm cicatriz. Os corações chamuscados de verões passados já lhe feriram e deixaram ali as pegadas. Abrem-se veios a golpes de caneta na casca e registram-se ali, acumulam pólen caído das flores lá em cima e de vez em quando alguém passa os dedos por eles, contornando suas formas, fazendo cócegas, fazendo voltar àquela imagem de cicatriz aberta.
A casca de árvore olha aquele doce jardim. São tantas flores que aqueles corações marcados já mandaram. E na casa da árvore alguém habita. Uma luz acesa passa pela janela e ilumina uma simples flor branca lá em baixo.
Eu era uma casca de árvore que, agora, casa.

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Agradecimentos especiais a Aghny que não me deixa errar.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Poesice

– quem é você?
– eu sou um poeta...
– que desaforo! Com o que ousa?
– perdão, eu não pretendia...
– tudo bem, eu sei, com o mar...
– na verdade com o vento também...
– pobre homem...
– é, mas há pior, com a cidade também...
– sinto muito...
– eu também...
– há remédio?
– já tentei todos, mas todos me curam...
– e tratamentos alternativos?
– não, obrigado, mas foram os que melhor funcionaram...
– e por que parou?
– me entorpeciam.
– entendo...
– e me fizeram rasgar algumas nuvens...
– que horror!
– deixá-las pela metade não é nem a metade...
– o senhor poderia ser preso!
– se fosse, eu fingiria desprezo...
– seria uma boa saída. Já pensou em jogar o relógio fora?
– eu não poderia, é ele que me mantém vivo.
– já pensou em amar?
– isso é um insulto?
– não, é uma oferta...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Vie

Vivi.
Vivi?
Sim, afirmo veementemente que vivi e não vivi apenas uma vez. Eu sei, eu sei, ao homem foi destinado viver apenas uma vez nessa terra, mas a vida é uma que não se destina apenas a seguir à diante junto com o mundo, ela é o próprio mundo que inventa. Cada vida inventa um mundo de vias e vidas.
A primeira vez que vivi, achei que era imortal e esse foi o erro que fez com que a velhice chegasse cedo, não o único, de certo, mas certamente o mais habitual. Deixei de fazer aniversários por falta de números no infinito.
Foi então que morri. Morri a primeira vez em um aeroporto. E o mais engraçado: fora do avião, morri sem sentir frio na barriga, morri com um toque de recolher triste que me mandou para casa muito cedo. Minha primeira morte foi selada com lábios de despedida.
A segunda vida veio prematura. Cinco meses. Negou incubadora como se aquilo fosse a prisão que um dia negara para todas as vidas que teria. Não resistiu ao primeiro aniversário, morreu de prematuro traído pela própria mão que o alimentou na gestação, desnutrido e fraco, depois de uma ou duas reanimações no mesmo dia, mas seu pulso já lento parou de pulsar.
Minha segunda morte teve epitáfio de giz. Apagou na primeira chuva.
Depois, já por volta da tenra idade dos cento e quinze anos, voltei a viver, ou achei que havia voltado a viver, talvez um meio termo entre a vida e a morte como deitar-se sem dormir, ou adormecer em pé, talvez, como amanhecer no escuro.
O peito bateu duas ou três vezes, subiu e desceu mostrando sinais de respiração, mas nem ao menos chegou a viver de verdade, morreu sem viver como os velhos ranzinzas.
E agora, espero a próxima vida germinar e a cultivo com o cuidado de um fazendeiro que perdeu todas as sementes na última enchente.
Espero uma vida com raízes em gancho.
Espero o leve sapateado das folhas ao vento...

Igor Chacon, Natal, mês de dezembro do ano do Senhor de 2104

sábado, 27 de junho de 2009

Prefácio da minha memória...


Eu sento à mesa ao lado para ouvir conversas alheias.
Não qualquer conversa, não me esforço para ouvir besteiras, aguço os ouvidos para ouvir conversas distantes do outro lado do mundo, conversas de um mundo que não nasceu, mas que eu nutro dentro da minha fértil imaginação, fertilizantes não faltam, também pudera, você não para de me dar histórias pra contar...
Eu não troco minha própria pegada por nada.
Por mais que eu mude, sou sempre o mesmo. Aprendi isso ao me dedicar a comprar calçados com sola parecida, não poderei nunca ser um fugitivo de nada, me reconheceriam pelas marcas que eu deixo ao andar.
E eu também ando no branco, ando também em folha pautada, às vezes chego a andar no vidro do espelho embaçado e me reconhecem, as pegadas são sempre as mesmas.
Tem quem jogue conversa fora, eu as guardo com todo carinho.
Guardo todas as conversas que eu consigo em minha cabeça, mas há uma pequena nota no prefácio da minha memória que eu não consigo burlar, simplesmente não consigo fazer com que minha memória apague o que passou... Tanta conversa que passa e fica... Tantos detalhes das casas por onde passei a noite, casas que eu memorizo por medo de ficar sem, mesmo sabendo que vou acabar indo embora como de quartos de hotéis...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O velho tempo


O tempo é uma canção que não precisa de vozes para ser cantada. Ele é o esquisito da esquina, que passa e repassa solitário feito quem não quer nada com a vida, feito quem não quer nada com ninguém, feito quem não precisa de ninguém para ser feliz. O solitário da esquina é louco pelo tempo, ele é solitário pelo tempo, solitário como o tempo.
E ao afirmar tudo que sei sobre o tempo eu também afirmo que ele é louco. Quem passaria a eternidade solitário? O tempo. E em sua loucura ele faz com que a eternidade passe, e a eternidade o acompanha, seria ele não tão solitário como imagino?
O tempo é a vida de um imortal, um bom encontro casual mostra o quanto ele pode facilmente nos enganar, fazendo-nos pensar que ele passa rápido quando na verdade ele nem mudou, como o rosto que não se deixa arranhar pela velhice.
O tempo diz, mesmo sem uma voz para dizer, mesmo que ninguém consiga o acompanhar de tão próximo para que ele sussurre ao ouvido, ele diz quem vai juntar dedos e cordas ou dedos e cabelos e então me gritou para que os acordes fossem companheiros de meus dedos.
Fielmente creio que, assim como o homem não criou Deus, ele também não criou o tempo, o tempo não foi inventado, ele foi gritado, e esse grito ecoou por toda a parte eternamente, agora me perguntem se houve um dia garganta para gritá-lo...
O velho ranzinza fura bolas que caem em seu quintal para não deixar que a borracha da pelota lhe ultrapasse em anos os anos ainda em forma.
O velhinho sorridente e rechonchudo dispensa elogios, sabe que está ficando careca, passa a mão na lisa cabeça e sente o tempo dizer-lhe para não se preocupar, ela ainda tem os dela, seus dedos ainda tem os cabelos dela para passar, e os acordes para soar.
Fez-se a música do tempo. E o homem imerso no meio dele cogitou-se em que tom ele cantava para perceber que aquele som não pararia nem sequer um dia.

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Foto por Chacon, UFRN, dou um doce pra quem descobrir em que parte exatamente.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Je voudrais

Je voudrais la vie
Avec un peu de choq
Je voudrais que tu
Fermes tes yeux
Si tu as le courage
Je voudrais la vie
Avec un toque de toi
Unlace tes cheveux
Mais non
Se tu ne viens pas
À peine reste
Fidèle et loyale sentinelle
Bien dans mon ciel...

Ps.: parabéns pra mim =}

domingo, 14 de junho de 2009

As letras que (ex)ponho


Vou escrever para não esquecer o que eu disse em meio a pedidos de desculpa, em meio a adeuses mal planejados.
Eu disse que tenho inveja de ti, disse que se fosse eu, na verdade, quando fui eu, eu fiz o contrário do que você fez e acabei andando na contramão do que sentia.
Não choro, meu coração é que fica a prantear e não posso contê-lo, faça o que eu fizer. Ele é incombatível nesse sentido.
A pena entristece ao toque de meus dedos magros, ela borra o papel, trêmula, não consegue parar, ela quer parar, cansada, o sono aguarda, mas a pena eufórica insiste.
Eu desejo me expor, desejo, mas não sei por que, então, apenas converso com o papel, amigo de anos, Deus, estiveste aqui por tantos anos, já!
Mais uma vez o show fracassa, por que mesmo que o tic-tac bate? Acho que é porque o show não pode parar. C’est la vie.
A verdade é que meus olhos cor de árvore na primavera criam raízes rápido, raízes rápidas, talvez rápidas de mais, vão fundo em pele, carne e alma, e coração, mas até hoje sempre houve quem as arrancasse, outonos vêm fortes, eles sempre vêm, depois o frio.
Será que palavras são poucas para mostrar tudo? Não tenho medo que elas me exponham por isto: elas nunca conseguirão mostrar tudo da minha criatura lírica que habita na vegetação rasteira de minh’alma, palavras nunca vão me expor, sou eu quem as exponho com tudo que há em mim.


Foto por: Chacon

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Noite chuvosa, Reginaldo na vitrola


Noite chuvosa, Reginaldo na vitrola, suco de uva, a janela cantando, a lua se escondendo... Ele me pede pra olhar, ver a tristeza que a tua ausência causa, ver o adeus em um abanar de mãos, em um abraço de despedida que não termina em um beijo teu.
E eu que comecei e nem sabia o fim, acho que nunca se sabe o fim até que você vê que não há freio, curvas e mais curvas na estrada tortuosa e não consigo frear, acho que vou acabar me estabacando na próxima esquina que não tiver sinal fechado, fechado por sorte, como os últimos que passei.
A música muda, agora ele continua falando com seu imenso público, homem amado é ele, e ele fala que sem isso, sem amor, ele nada seria, Deus, como ele tem razão quando diz que sem amor nada seria, não valeriam as coisas que ele tem, não valeria a beleza nem nada. Nem a saborosa bala Embaré que eu te dei, mas esperem! Havia uma carta no outro bolso, havia uma bala de caramelo em um bolso, e uma carta com uma poesia e uma bela prosa no outro, mas foi a bala que eu dei, não fazia sentido dar a carta envelhecida em café, com um poema cíclico (daqueles que você pode continuar lendo, indo do fim ao início quantas vezes quiser).
Agora a velha e bela voz do cantor canta seu mais importante sucesso “Garçom” ele fala de traição, fala da mulher que amou, eu me pergunto se amei, sim, alguma vez na vida eu amei, e eu tenho amor, eu tenho todo o amor que eu necessito, tenho a graça, e o amor da mulher amada é de outro, nessa hora, todos cantam em coro que ela vai se casar, que mandou uma carta para avisar, essa música eu pedi assim que entreguei a bala, pedi ao cantor da praça de alimentação, arranquei um pedaço da carta, não importava mais, ela vai entrar para a seção “Cartas nunca entregues”, meu Deus, ela mandou uma carta para avisar do casamento dela! A minha carta não era pra dizer adeus, era um “oi” muito poético. No final o garçom prevê “Rossi, esse vai ser um grande sucesso...”
Isso me lembra outra música, mas essa eu deixarei para depois, mas só para os mais curiosos vou revelar a canção “O grande amor da minha vida” ou seria “convite de casamento” que ouvi a primeira vez na voz de Gian e Giovanni, é aquela que diz “Num cantinho rabiscado no verso/ ela disse “meu amor eu confesso/ estou casando, mas o grande amor da minha vida é você”.
Eu beberia vinho, me afogaria em vinho se fosse possível a mim, mas certamente eu morreria antes disso, meu fígado não suportaria, ele já sofre há anos, doente, meu sangue o mata a cada segundo um pouco mais, morrerei disso em alguns anos, ou do estômago, deve ser algo assim...
Depois de uma seqüência de músicas animadas, ele canta que por amor se faz tudo, sim, por amor tudo se faz, e em seguida, para escangalhar com meu francês ele diz para a musa inspiradora que mon amour, meu bem, ma femme, de corpo meigo e pequeno, portadora de um veneno que ataca a alma e o coração, me inunda de dopamina, talvez mate assim mesmo, overdose.
E para acabar, não para acabar com o cd, nem com as músicas, mas para acabar comigo, ele me pede para cantar, realmente parece que se dirige a mim, ele me pede para ter coragem e dizer para eu odiar, para eu esquecer, e eu sei que eu vou esquecer, mas no final eu volto, eu volto a...
O Paulo Sérgio! Deus, que Deus o tenha, como eu acabei por cometer o mesmo erro dele, eu devia confiar mais em mim. Roberto, Erasmo, Spektor, Rossini, Sérgio Reis, grande Sérgio Reis e seu coração de papel que foi ao leu, até o Rossi mesmo, todos eles, como diria o garçom, me entendem, por que eu não sou o único, eles estão comigo, nobres companhias...

Ps.: Na foto detalhe do meu msn com destaque para o grupo "=} Ela" e em baixo "arraste um contato para esse gurpo" que violento, não?

sábado, 30 de maio de 2009

O mar e a cidade

O mar estava longe, bem longe, mas ele sabia que era de lá que aquele vento úmido vinha, mesmo que o vento não trouxesse consigo o cheiro salgado das águas de lá, ele sabia pela direção do vento que era de lá que ele vinha.
É um vento quente que seca as lágrimas dos chorosos antes que elas cheguem a cair. Elas ficam, feitas poesias, nos olhos que as abortaram, não há nada que as espere lá fora, só os velhos becos escuros, ou as ruas descalças, ou só aquela velha sensação de vazio salgado, lagrimas são salgadas só para parecerem com o mar. Será que alguém derramou tantas?
E o espetáculo das ondas continua. Nunca gostei da areia, mas o mar sempre me encantou, acho que encanta a todos, o velho mar, os velhos que se dirigem ao mar, nem precisam de sereias para atraí-los, simplesmente deixam-se levar pela musica que as águas fazem quando colidem com as pedras e é sempre o mesmo barulho.
Do mesmo modo que a visão do mar me encanta, o barulho sempre me assustou. Acredito que seja simplesmente medo do infinito. Eu sei que o mar acaba, em algum lugar além da linha do horizonte, mas acaba, mas o barulho fica lá, tão velho quanto ele mesmo, muito mais velho do que as ruas descalças dessa cidade.
O infinito amedronta, mas também tem sua beleza, e assim o é, infinitos como o barulho do mar.
Eu sou pouco para caber o infinito, talvez exploda ao entendê-lo, ao sair da cidade, talvez caia no mar, não um enterro no mar, mas um mergulho no barulho que ele faz ao bater nas pedras, o infinito barulho que nunca secou.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Habitante

Não sou naturalmente habitável.
Mesmo assim, insisto em ser passageiro de mim.
Passei a não me considerar confiável para nutrir seres dentro de meu habitat particular, o clima dentro dele sempre enlouquece, sou um Desconstrutor Climatológico Compulsivo (DCC). Meu peito é sem jeito. Os seres saem, saem assim sem prazer, sem pra que, tanto faz.
Mas às vezes me creio, creio em minha voz a me dizer para ser perfeito até onde der, enquanto der, e por quem der. E quando alguém cai em mim, e eu me amedronto com a possibilidade de não sobrevivência, de tempestades subtropicais destruindo sólidas ou frágeis estruturas construídas as pressas, é quando tenho que escolher novos rumos para as coisas, novos refúgios para mim mesmo.
E tem mais, tem muito mais, acho que já passei do tempo para isso. Meu mundo particular envelheceu antes da hora, não que me ache velho, mas parece que o espelho anda ficando velho. Enquanto eu caminho na direção do tempo, o espelho corre, leva o velocímetro ao limite e eu o observo. Olhar meu espelho é como olhar alguém que envelheceu antes do tempo. O espelho envelheceu antes do dono (ou seria o contrário?).

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Auto-entrevista

Laconicamente falando, quem é você?
Sou cabeça dura, insisto em amolecer.
E se você tivesse mais um segundo?
Eu pararia o tempo.
Quantos anos você pretenderia viver, se fosse dado a ti a eternidade?
Depende. Raramente me interessaria em viver tanto tempo, sabendo que o tempo certo já está lá, mas viveria o suficiente.
E quanto é isso?
Viveria qualitativamente o verbo viver.
Qual a sua visão do ideal?
Ela é inatingivelmente bela, tão bela que espero, por hora, não vê-la, tenho medo de ficar cego com a visão da perfeição ideal. Acredito que me falta muito preparo para tal.
Maior medo?
Ficar cego.
Por quê?
Primeiro porque já sou quase mudo. Me comunico pelos dedos. Segundo porque, além disso, falo, principalmente e primordialmente, com os olhos, se ficasse cego, ficaria também surdo e mudo. E meu amor!? Meu amor está nos olhos, nas lembranças visuais de detalhes do piso irregular que soltava a terceira cerâmica contando a partir do pé direito do sofá junto a parede e nas expressões abobadas que só eles sabem mostrar.
O que você mais gostaria de fazer nos próximos dez anos?
Ir até mim mesmo. E ficar lá, mas não muito tempo, depois me mudaria para plantações onde nascessem tantas raízes fortes quanto as que eu pretendo achar no caminho até mim.
E para finalizar, qual seria seu melhor final feliz?
Ah! Essa é fácil! Com neve!

terça-feira, 21 de abril de 2009

Minha rua

Outro dia cheguei cansado aqui em casa depois de pegar um ônibus levemente lotado.
Estava chovendo. Não era uma chuva muito grossa, mas eu estava bem ensopado, muito mais pelos carros que passavam, enquanto eu andava na calçada, e jogavam água em mim, mas enfim, o caminho da parada onde o ônibus me deixa até aqui em casa é um pouco longo, de modo que tive que caminhar um pouco na chuva, quando cheguei em frente a minha casa eu parei, parei na calçada e fitei a rua.
Eu observei cada paralelepípedo, cada pedra do asfalto, cada uma a seu modo parado cantava a rua inteira. Fitei os postes já acessos lamberem a rua toda com suas luzes amareladas. E a chuva que lavava. Primeiro pensei em quanto tempo passei sem ver a chuva cair na minha própria rua. Depois me deparei abismado com a possibilidade de nunca mais ver a chuva cair ali, ao menos não daquela mesma forma (pensamentos de morte têm me tirado o sono nos últimos dias. Fico devendo explicações, pago quando der). E no final o que mais me impressionou foi o fato de nunca mais eu ter parado para olhar a minha própria rua.
Será que foi falta de tempo? Mas eu sempre passei por lá todos os dias! Passei aqui todos os dias! Como eu não pude ver tantos desenhos formados pelas pedrinhas? Como eu pude deixar de ver e de lembrar cada momento? Será que sou um estranho em minha própria rua? Será que eu não entendo minhas próprias armadilhas de brincar? Ou será que sou um estranho que não se sente bem? Um esquisito até para o próprio nome...
Não resisti. Parei, sentei no meio fio junto as pedras e lavei, e cantei, e chorei a rua também.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Hibernado

Eu tenho um amor hibernado...
Eu tenho um amor hibernado, e esquecido em sua hibernação. Ele é tão calado, tão alheio as coisas da vida e as coisas vivas, que chego a acreditar que esteja morto, há tantas peças no laboratório de anatomia com mais vida nos globos oculares do que ele.
Tão morto e ao mesmo tempo tão vivo, tão acordado e ao mesmo tempo tão hibernado. Eu sei que esses paradoxos são coisa dele, já diriam poesias de outrora, mas agora só sinto seus roncos sonoros.
Esse tal amor hibernado me dá tantas histórias para contar, tantos contos onde eu posso, e por poder recito tantas poesias. Esse tal me enraivece, ele nem ao menos tem recordações para reviver no pensamento.
Preciso perguntar a ele, quando finalmente conseguir despertá-lo, em que verdade ele se espelhou para ser tão tímido. Que timidez é essa para quem já tem endereços certeiros e lugares exatos, caminhos certos? Seriam?
Esse tempo passa tão devagar. E esse inverno que não passa? Esse tal continua sua hibernação alheia a necessidade de sua calada caverna. Só espero que não morra dormindo.
Eu tenho um amor hibernado. E esquecido em sua hibernação. Eu tenho um peito ocupado. E cansado em sua ocupação. Tum Tum Tum.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Vou mudar aquelas plantas de lugar
Tirar minhas fotos da parede
Aquelas que eu figuro só
Naquelas cuja tua presença escondida
Ainda me lembrava àquela paisagem
Que descansa apoiada à parede,
Mas todas elas, até aquela
Que tirei dos meus olhos e
Sem querer, ou em verdade sem saber,
Deixei torta em um prego,
Apenas desentortei com as mesmas mãos
Sujas de terra pelas plantas

Escondi a tua presença
No meu olhar estático das fotos
E nas sementes que plantastes em mim...

terça-feira, 31 de março de 2009

Não há luz que não a tua
Não existe quando, não existe como
Repito: Deus, como te amo!
Não precisas de mim, mas mesmo assim
Puseste-me aqui para um fim
E este fim é ser
Ser para ti!

segunda-feira, 30 de março de 2009

A resplandecência de teus olhos
Colheu os frutos caducos
Que caíram quando me balançaram
Eram todos agridoce e se fosse preciso
Alimentariam a multidão de teus lábios
Se não, voltariam para a terra
E enraizariam, e cresceriam meus pés,
E ali esperariam, e, depois, minhas próprias lágrimas
Me regariam algum dia

Eu sou a ausência dolorida
Sou toda carência querida
Tão distante, mas presente dia-a-dia...

domingo, 29 de março de 2009

Refiz meus planos
e eram todos iguais
aos de quando era criança
até os lençóis-capas
que me faziam voar
continuam presentes
nas caudas do teu vestido.

sábado, 28 de março de 2009

O dia se arrebenta no concreto
Quando deixo o macio do travesseiro

Os sapatos de dança
se aleijaram de mim...

sexta-feira, 27 de março de 2009

Perdoem-me os passaros

Resolvi me fixar
Aos ventos do sul
Descer a platina planície
Para depois subir
O atlântico tormêntico
Em busca do inverno
Perdoem-me os pássaros

quinta-feira, 26 de março de 2009

Rasante nas horas
A seu modo e agora
O mundo entrou
Enquanto as janelas
Moíam o vento
As rajadas eram, sobretudo,
sobretudo.
E em tudo se evidenciava
O rastejar do tempo
E o rasante das horas.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O refúgio dos meus sonhos
É o perdão da minha ágil
E problemática boca

Quantos pecados cometi
ao te pedir para ir...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Insônia

Não se enganem tentando procurar soluções para a insônia em livros científicos, não é neles que encontrarão as respostas para dormir.
Também não procure remédios milagrosos em propagandas da TV, desses que prometem o céu de um sono tranqüilo. Não, não é bem assim.
A insônia não está aí para ser domada, ela não pode ser domada, muito menos domesticada. Ela não é aquele cavalo bravo, nenhum mustang das estepes norte-americanas.
O mais próximo, o realmente mais próximo, que você chegará de uma boa explicação sobre a insônia são os livros de fantasmas e almas penadas. A insônia não é nada mais que isso: uma alma penada.
As almas das histórias de terror continuam na terra porque algo ainda as liga a nossa realidade, seja uma pessoa, um objeto, lugar ou fato. Isso é a insônia e é do mesmo jeito que ela funciona. Igualmente a alma penada que continua acorrentada a esse mundo, a insônia nos liga ao dia que passou, talvez, pelos mesmos motivos.
A insônia é o desejo que o dia não acabe.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Misantropo

“Misantropia, do grego μίσος (ódio) e άνθρωπος (homem, ser humano) é a aversão ao ser humano e à natureza humana no geral. Também engloba uma posição de desconfiança e tendência para antipatizar com outras pessoas.”

Eu nasci no inverno.
Aprendi a ser frio como ele e desse jeito a misantropia quase tomou conta de mim. Fui tentado a ela, Deus, como fui tentado a ela, fugi pelas vias do coração. Ele resolveu seguir por caminhos mais movimentados. Há quantos anos já nos vemos? Com esse, acho que serão vinte e como sempre iremos nos olhar e você dirá “tenho mais uma coisa a te ensinar” e vai querer me levar novamente aquele isolamento frio, não conseguindo, vai me mostrar novamente como ser tão frio.
Eu morro a cada inverno.
Eu morro de frio a cada inverno que passa. Morrerei nos que passarem. Congelarei e ficarei como uma estátua que me lembrará como sou gelado ao toque e ao coração, ao lábio que tentar beijar minha face, ou ao toque da mão.
Eu derreto todos os verões.
É aquele Sol. Ele me mata também. Ele me derrete, mas é para sempre. Ele vem e me mata, sempre me mata, e, diferente do inverno, não volta no próximo ano, ele continua aqui, esse Sol e, depois de me derreter, depois de tirar todas as minhas defesas, depois de me mostrar como sou pequeno, ele vai, me deixa com o inverno, para resistir a ele. Resistir a misantropia.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Pifar

Se eu pudesse dizer
Que rasguei planos infalíveis
E destruí castelos indestrutíveis
Os quais eu mesmo arquitetei
Se eu pudesse ao menos concordar
Em reaver, em distorcer o passado
Jamais teria feito tantos planos
Ou ao menos não teria os guardado
Em cima do criado-mudo
Teria me feito de surdo
Se não, me calado
E amordaçado essa voz que me dizia
Para ir em frente

Se eu pudesse dizer
Que fui fiel a mim mesmo
E não me joguei a esmo
Em cima desses cacos de vidro
Que achei serem flores sem espinhos
E dilaceraram muito mais que carne
Mas alma que já não arde
Nem ardia há tempos remotos
Só fazia pulsar
Pulsar
Como o relógio que se fez meu peito
E só faz esperar
A hora de pifar

Se eu pudesse dizer
Tudo
Eu pararia
Eu nunca mais pifaria