quarta-feira, 29 de abril de 2009

Auto-entrevista

Laconicamente falando, quem é você?
Sou cabeça dura, insisto em amolecer.
E se você tivesse mais um segundo?
Eu pararia o tempo.
Quantos anos você pretenderia viver, se fosse dado a ti a eternidade?
Depende. Raramente me interessaria em viver tanto tempo, sabendo que o tempo certo já está lá, mas viveria o suficiente.
E quanto é isso?
Viveria qualitativamente o verbo viver.
Qual a sua visão do ideal?
Ela é inatingivelmente bela, tão bela que espero, por hora, não vê-la, tenho medo de ficar cego com a visão da perfeição ideal. Acredito que me falta muito preparo para tal.
Maior medo?
Ficar cego.
Por quê?
Primeiro porque já sou quase mudo. Me comunico pelos dedos. Segundo porque, além disso, falo, principalmente e primordialmente, com os olhos, se ficasse cego, ficaria também surdo e mudo. E meu amor!? Meu amor está nos olhos, nas lembranças visuais de detalhes do piso irregular que soltava a terceira cerâmica contando a partir do pé direito do sofá junto a parede e nas expressões abobadas que só eles sabem mostrar.
O que você mais gostaria de fazer nos próximos dez anos?
Ir até mim mesmo. E ficar lá, mas não muito tempo, depois me mudaria para plantações onde nascessem tantas raízes fortes quanto as que eu pretendo achar no caminho até mim.
E para finalizar, qual seria seu melhor final feliz?
Ah! Essa é fácil! Com neve!

terça-feira, 21 de abril de 2009

Minha rua

Outro dia cheguei cansado aqui em casa depois de pegar um ônibus levemente lotado.
Estava chovendo. Não era uma chuva muito grossa, mas eu estava bem ensopado, muito mais pelos carros que passavam, enquanto eu andava na calçada, e jogavam água em mim, mas enfim, o caminho da parada onde o ônibus me deixa até aqui em casa é um pouco longo, de modo que tive que caminhar um pouco na chuva, quando cheguei em frente a minha casa eu parei, parei na calçada e fitei a rua.
Eu observei cada paralelepípedo, cada pedra do asfalto, cada uma a seu modo parado cantava a rua inteira. Fitei os postes já acessos lamberem a rua toda com suas luzes amareladas. E a chuva que lavava. Primeiro pensei em quanto tempo passei sem ver a chuva cair na minha própria rua. Depois me deparei abismado com a possibilidade de nunca mais ver a chuva cair ali, ao menos não daquela mesma forma (pensamentos de morte têm me tirado o sono nos últimos dias. Fico devendo explicações, pago quando der). E no final o que mais me impressionou foi o fato de nunca mais eu ter parado para olhar a minha própria rua.
Será que foi falta de tempo? Mas eu sempre passei por lá todos os dias! Passei aqui todos os dias! Como eu não pude ver tantos desenhos formados pelas pedrinhas? Como eu pude deixar de ver e de lembrar cada momento? Será que sou um estranho em minha própria rua? Será que eu não entendo minhas próprias armadilhas de brincar? Ou será que sou um estranho que não se sente bem? Um esquisito até para o próprio nome...
Não resisti. Parei, sentei no meio fio junto as pedras e lavei, e cantei, e chorei a rua também.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Hibernado

Eu tenho um amor hibernado...
Eu tenho um amor hibernado, e esquecido em sua hibernação. Ele é tão calado, tão alheio as coisas da vida e as coisas vivas, que chego a acreditar que esteja morto, há tantas peças no laboratório de anatomia com mais vida nos globos oculares do que ele.
Tão morto e ao mesmo tempo tão vivo, tão acordado e ao mesmo tempo tão hibernado. Eu sei que esses paradoxos são coisa dele, já diriam poesias de outrora, mas agora só sinto seus roncos sonoros.
Esse tal amor hibernado me dá tantas histórias para contar, tantos contos onde eu posso, e por poder recito tantas poesias. Esse tal me enraivece, ele nem ao menos tem recordações para reviver no pensamento.
Preciso perguntar a ele, quando finalmente conseguir despertá-lo, em que verdade ele se espelhou para ser tão tímido. Que timidez é essa para quem já tem endereços certeiros e lugares exatos, caminhos certos? Seriam?
Esse tempo passa tão devagar. E esse inverno que não passa? Esse tal continua sua hibernação alheia a necessidade de sua calada caverna. Só espero que não morra dormindo.
Eu tenho um amor hibernado. E esquecido em sua hibernação. Eu tenho um peito ocupado. E cansado em sua ocupação. Tum Tum Tum.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Vou mudar aquelas plantas de lugar
Tirar minhas fotos da parede
Aquelas que eu figuro só
Naquelas cuja tua presença escondida
Ainda me lembrava àquela paisagem
Que descansa apoiada à parede,
Mas todas elas, até aquela
Que tirei dos meus olhos e
Sem querer, ou em verdade sem saber,
Deixei torta em um prego,
Apenas desentortei com as mesmas mãos
Sujas de terra pelas plantas

Escondi a tua presença
No meu olhar estático das fotos
E nas sementes que plantastes em mim...