quinta-feira, 2 de julho de 2009

Vie

Vivi.
Vivi?
Sim, afirmo veementemente que vivi e não vivi apenas uma vez. Eu sei, eu sei, ao homem foi destinado viver apenas uma vez nessa terra, mas a vida é uma que não se destina apenas a seguir à diante junto com o mundo, ela é o próprio mundo que inventa. Cada vida inventa um mundo de vias e vidas.
A primeira vez que vivi, achei que era imortal e esse foi o erro que fez com que a velhice chegasse cedo, não o único, de certo, mas certamente o mais habitual. Deixei de fazer aniversários por falta de números no infinito.
Foi então que morri. Morri a primeira vez em um aeroporto. E o mais engraçado: fora do avião, morri sem sentir frio na barriga, morri com um toque de recolher triste que me mandou para casa muito cedo. Minha primeira morte foi selada com lábios de despedida.
A segunda vida veio prematura. Cinco meses. Negou incubadora como se aquilo fosse a prisão que um dia negara para todas as vidas que teria. Não resistiu ao primeiro aniversário, morreu de prematuro traído pela própria mão que o alimentou na gestação, desnutrido e fraco, depois de uma ou duas reanimações no mesmo dia, mas seu pulso já lento parou de pulsar.
Minha segunda morte teve epitáfio de giz. Apagou na primeira chuva.
Depois, já por volta da tenra idade dos cento e quinze anos, voltei a viver, ou achei que havia voltado a viver, talvez um meio termo entre a vida e a morte como deitar-se sem dormir, ou adormecer em pé, talvez, como amanhecer no escuro.
O peito bateu duas ou três vezes, subiu e desceu mostrando sinais de respiração, mas nem ao menos chegou a viver de verdade, morreu sem viver como os velhos ranzinzas.
E agora, espero a próxima vida germinar e a cultivo com o cuidado de um fazendeiro que perdeu todas as sementes na última enchente.
Espero uma vida com raízes em gancho.
Espero o leve sapateado das folhas ao vento...

Igor Chacon, Natal, mês de dezembro do ano do Senhor de 2104

3 comentários:

Unknown disse...

não sei se foi essa a intenção, mas essas vidas descritas parecem histórias de amor: umas que parecem imortais, outras que são muito curtas, outras mal vividas...e a constante espera por uma nova, e com o cuidado de não se cometerem os mesmos erros(o cuidado com a semente), para que ela cresça firme e sólida.

Angélica Paula disse...

Certamente é uma auto-biografia... Certamente. Cheia das metáforas... Acho que pude reconhecer algumas.

Que coisa.

"dezembro do ano do Senhor de 2104"

Wow

Josie Pontes disse...

Cada amor uma vida. O sofrimento uma morte. Mas pra mim, tanto a capcidade de amar como a capacidade de sofrer me fazem sentir viva.
=]

os curtas foram bem legais.
Sexta talvez de manhã vai ter a amostra os curtoas produzidos pelo telabrasil lá no midy, bora? só tenho que confirmar o horário com o pessoal