sexta-feira, 24 de julho de 2009

Casca de árvore

Eu era casca de árvore velha. Vi coisa demais, endureci pelo tempo, agüentei chuva depois de chuva de invernos molhados, enfrentei sois de verões que quem sabe um dia qualquer um que me lê verá, mas vi a primavera e os passarinhos que se não voam, no lugar, piam, e não vi as folhas caírem pela tela da tevê.
E as cascas das árvores caem sem tocar o solo. Elas criam asas como os passarinhos que nelas fazem ninhos, e flutuam como as vozes ininteligíveis que atravessam o campo, para o sol poente, onde ousam descansar sem queimar, vozes estranhas...
Mas as cascas de árvore também têm cicatriz. Os corações chamuscados de verões passados já lhe feriram e deixaram ali as pegadas. Abrem-se veios a golpes de caneta na casca e registram-se ali, acumulam pólen caído das flores lá em cima e de vez em quando alguém passa os dedos por eles, contornando suas formas, fazendo cócegas, fazendo voltar àquela imagem de cicatriz aberta.
A casca de árvore olha aquele doce jardim. São tantas flores que aqueles corações marcados já mandaram. E na casa da árvore alguém habita. Uma luz acesa passa pela janela e ilumina uma simples flor branca lá em baixo.
Eu era uma casca de árvore que, agora, casa.

---------------------------------------------------

Agradecimentos especiais a Aghny que não me deixa errar.

Nenhum comentário: